domingo, 17 de janeiro de 2010

Capítulo2

O som estridente do despertador faz com uma mão se eleve no ar. O trrriiimmm frenético cessa quando a mão carrega no botão. Graciete destapa o rosto ensonado e permanece de olhos fechados.
- Como será a soares? Será que continua com o mesmo espírito? Não, duvido! A soares do meu tempo não é mais a mesma o espírito quebrou-se. Tu e a tua mania de falar sozinha logo de manhã Graciete. Porquê que começas o dia logo a pensar? Bem é melhor preparar-me para não chegar atrasada.

Levanta-se, abre a janela e vê o tempo.

Diante da nova Soares dos Reis o seu corpo não consegue sair do sítio em que se encontra. Graciete não sabe o que esta a sentir, se por um lado o dia anterior foi repleto de emoções hoje encontra-se num estado de absoluta decadência. Um edifício grande de cor azul céu ergue-se imponente à sua frente. Como pensou horas antes este novo espaço não irradia, o verdadeiro sentimento artístico. Na entrada, o impacto da interacção dos alunos entre si sumiu. Resta apenas a presença do novo elemento, o porteiro.

Já no edifício, dirige-se à funcionária de recepção:
- Bom dia! -diz Graciete.
- Bom dia!
- Podia-me informar onde é a secretaria?
- É já aqui à minha esquerda nesta porta de vidro.
- Obrigada.
A poucos passos entra na secretaria e segue em direcção ao balcão.
- Bom dia!
- Olá, bom dia! Em que posso ajudar?
- Sim, sou a Graciete Avelar e vim tratar dos últimos documentos referentes ao contracto.
- É a menina que vai substituir a professora de fotografia?
- Supostamente sim! -diz Graciete sorrindo.
- Ah, sim! Foi com a menina que falei ontem, já me recordo. Então é assim, falta assinar o contracto e entregar o horário. Segunda-feira começa já no activo.

Graciete sela o compromisso e recebe em mãos o seu futuro horário. Posto isto, despede-se dos funcionários e sai.
Aproveita o momento e visita a escola por conta própria.

Repara em todo o ambiente. O pó das obras está à vista por todo o lado, os corredores são amplos e longos repletos de múltiplas paredes envidraçadas que deixam à vista o exterior. Num dos muitos corredores desloca-se numa escada desconfortável de degraus longos que dificulta o andar.

Graciete precisa de sentir o gosto tradicional da invicta, decide então almoçar num dos restaurantes mais conceptuais da cidade conhecido como Abadia.

O seu ambiente bem como o bom gosto na decoração exalam requinte, onde algumas das paredes se sobressai os belíssimos azulejos. Todo este esplendor faz com que a jovem rapariga se sinta também ela refinada e a um nível da mais alta sociedade.

Sem olhar a meios na despesa pede o melhor vinho da casa e as entradas. Enquanto saboreia os petiscos olha distraidamente para o espaço, os seus pensamentos estão presos nos últimos acontecimentos desde a sua chegada. No meio deste turbilhão de emoções algo a perturba e sente-se observada.

- Menina deseja mais vinho?
Graciete vira-se e da de caras com o jovem que momentos antes a serviu.
- Sim, por favor. Obrigada pela sua atenção. Já agora gostaria de dar entrada com o prato principal.
- Muito bem, o que deseja?
- O que me sugere? -responde com um sorriso.
- Tripas à moda do Porto são...
- Assim seja. Aceito a sua sugestão! -responde bebendo um pouco de vinho.
- Sim menina. Com licença.

Voltou a sentir a mesma sensação está sem dúvida a ser observada decide então pegar na sua máquina e tirar uma fotografia. Nesse acto distraído foca uma mesa em frente e quem a ocupa e clica, após este acto a jovem não retira a máquina do seu rosto.

Um jovem bem apresentado não se inquieta com a objectiva que Graciete segura e com um à vontade fora do comum sorri.

Graciete sente o olhar azul profundo que o desconhecido lhe dá a conhecer e isso agrada-a. Retira a máquina da frente da cara e retribui o olhar.

Graciete não é rapariga de se deixar intimidar, pelo contrário também ela gosta de provocar, mas desta vez sente-se a corar.
- O seu almoço menina.
- Ah? Ah sim, muito obrigada.
- Bom apetite!
- Será certamente. -responde Graciete com um sorriso para o seu vizinho.

Enquanto saboreia o seu almoço apimenta-o com trocas de olhares sensuais e sorrisos atrevidos num divertimento quase de adolescente.

Mal acaba a refeição Graciete levanta-se para efectuar o pagamento no balcão, com todo o conteúdo que tem dentro da mala ao retirar o cartão de crédito da carteira este acaba por cair. Ao abaixar-se para apanhar o objecto, surge repentinamente uma mão que toca na sua.

- Aqui tem o seu cartão! -diz o jovem com um sorriso não disfarçando o olhar atento da perna bem torneada que a racha da curta saia deixa à vista de todos. Graciete percorre o braço com o olhar e percebe que os olhos azuis, que a observaram ao longo do almoço, se encontram fixos à sua perna.
- Muito obrigado, não precisava incomodar-se! -responde a jovem atrapalhada erguendo-se.
- Não é incómodo nenhum! Bem...de perto a sua beleza é muito mais radiante! -disse, ele num ar de sedução.
- Oh, muito obrigada!
- Posso tratá-la, por tu?
- Ah? -não acredita no à vontade do jovem.
- Reparei que estás só.
- Nunca, estou só.
- Uma máquina fotográfica sem dúvida que é uma óptima companhia para quem está só! -Graciete sorriu, o jogo tinha sido lançado.
- Pelo que parece tens um grande fascínio pela fotografia.
- Sério? O que te leva a pensar nisso?
- Menina, peço desculpa em interromper, mas deseja proceder ao pagamento da conta? -disse o recepcionista interrompendo a conversa
- Sim, claro!
- Aqui tem o recibo, boa tarde!
- Boa tarde!
- Onde é que ia a nossa conversa? -pergunta o desconhecido.
- Conversa? Bem, ias na parte em que dizias que eu tinha um grande fascínio pela fotografia!
- Claro, pelo que pude observar quando pegas na máquina, é como se vivesses para fotografar!
- De certa forma, sou professora de fotografia! -meteu a mão na boca tinha falado de mais, como é que podia dar a conhecer essa informação se nem conhecia aquele rapaz, aqueles olhos, aqueles lábios que se mexiam a cada palavra que pronunciava.
- Está tudo bem? -num gesto de amparo agarra no ombro de Graciete.
- Sim, é que sempre me ensinaram, desde pequenina, a não falar com desconhecidos. -Graciete sorri em tom matreiro.
Ele sorri. Como o seu sorriso é lindo aqueles lábios carnudos deixam à mostra uma dentição perfeita. “Bolas Graciete o que está a dar? Ele é um desconhecido vais-te encantar por um simples sorriso?”
- Oh claro desculpa. Chamo-me Gonçalo! És professora? Sério? Quem me dera ter tido a sorte de ter uma professora tão bonita! Também sou fascinado por fotografia, mas não tenho jeito nenhum.

Graciete sorri, simpatizou com ele, e seguiu o jogo.

- Queres vir dar uma volta? Tenho um percurso em mente pelas ruas do Porto se aceitares a minha companhia aproveitava e ensinava-te algumas técnicas de fotografia. -disse Graciete.
“Não, não aceites, mas porquê que eu quero que aceites este convite? Graciete tu não estás bem ele é um desconhecido.” Os seus pensamentos pararam com a resposta.
- Sim aceito, como poderia recusar? Não tenho nada para fazer esta tarde. Já agora como te chamas?
- Graciete. -sorri, ele tinha aceite o seu convite.

Saíram do Abadia. Graciete sempre foi uma pessoa de fazer rapidamente amizades, a sua aparência também contribui. Pelo caminho pouco se falam ambos pensam como se dirigir ao outro. É nestas interrogações que sem darem conta, chegam à Avenida dos Aliados. De frente para a Câmara Municipal do Porto, Graciete quebra o silêncio.

- Podemos começar por aqui! -diz ela dando a sua máquina a Gonçalo.
- Aqui? Agora? Bem eu não tenho grande jeito para…
- Não importa, eu ajudo! Bem, para começar temos que olhar para o edifício e procurar algo que nos chama a atenção, um pormenor que nos diga alguma coisa, depois desse processo colocamo-nos no sítio que achamos o mais indicado para dar relevância ao que queremos retratar e nada melhor que nos colocar num ponto de vista que ninguém observa esse pormenor. Isso também é a chave para uma boa fotografia e principalmente para chamar a atenção de quem a observa.
- Bem… muito profissional! Mas por vezes isso é extremamente difícil.
- Sem dúvida que o é, mas isso adquire-se com a prática! Muito bem chega de aula teórica e vamos passar para a acção!
- É para já senhora professora! Já agora poderá ajudar-me na primeira fotografia?
- Sim! Vou abrir uma excepção, mas só hoje. -responde a jovem com um sorriso.

Graciete baixa Gonçalo e coloca-se por trás dele para lhe ajeitar a máquina de forma que ele visse o edifício numa perspectiva de contra picado, de baixo para cima. Cola o seu dedo por cima do dele e no ponto certo o dedo superior faz pressão e ambos “clicam”. Um clima diferente forma-se com aquele acto. Gonçalo sente-se encantado com aquele toque, mais que a fotografia, saboreou o dedo fino e comprido sobre o seu, a sua pele é tão suave e tão delicada como o toque que ele sente. Inspira o seu perfume sem demora. Todos estes sentimentos num simples acto de fotografar.

Graciete pega na máquina fotográfica e corre pela Avenida abaixo. O seu acompanhante imita-a. Aproveitando a distância que os separa a jovem fotografa o seu seguidor. Os dois divertem-se, mas quando Graciete chega à Praça da Liberdade pára e observa toda a Avenida. Ao olhar lembra-se do tempo que existia o jardim, onde em pequena acompanhada pelos seus pais levava um saquinho de pão desfeito para alimentar as pombas. Gostava de sentir o bater das asas das aves próximas ao seu corpo. Sem dar por isso Gonçalo tira-lhe a máquina e retrata um rosto pensativo e delicado e contempla também o momento que ela lhe proporciona. O olhar da jovem perde-se nos pormenores da fachada de Art Noveau, as esculturas no frontão do edifício do banco de Portugal e na estátua equestre de bronze de D. Pedro IV. Instintivamente Graciete procura a máquina, mas não a encontra apenas uma voz que a desperta.

- Procuras isto?
- Sim, mas como é que tens a máquina?
- Enquanto pensavas tirei-te a máquina e aproveitei o momento a fotografa-lo e atrevo-me a dizer...
- Sim?
- A observar-te. Fotografar é divertido.
- Percebesse pela forma como te estás a rir, já percebi que fotografar-me é muito divertido. -Graciete faz cara de amuada.
- Oh desculpa, não queria dizer isso. É só que há muito tempo que não me descontraía e correr uma avenida cansa, mas descontrai!

Graciete continua com cara de amuada.

- Sério não tinha intenção de te magoar.
Graciete sorri abertamente.
- Então correr descontrai, hein? -pega na mão de Gonçalo e corre, os semáforos estão verdes e passam por eles a toda a velocidade, as pessoas olham-nos com má vontade, mas eles não se importam só param na estação de S. Bento, uma vez mais a jovem fica fascinada. Enquanto tentam controlar a respiração ofegante, observam uma maravilha de cerca de 20 mil azulejos azuis e brancos com toda uma história de actos portugueses num dinamismo absolutamente fantástico, tal como todo aquele espaço, é fascinante.

Gonçalo fica boquiaberto, e por momentos esquece-se de Graciete. Ela por sua vez olha-o divertida e vê ele a caminhar para trás de boca aberta embatendo contra um pilar.

Graciete ri-se, não consegue conter a gargalhada ao mesmo tempo que vai na direcção de Gonçalo.

- Estás bem? -pergunta divertida.
- Podia estar melhor se não fosse o pilar... fodasse a minha cabeça! Alguém viu?
- Penso que não!
- Teve assim tanta piada para não parares de rir?
- Nem sabes o quanto!
- Nunca vi um espaço como este.
- Tu não és do Porto, pois não?
- Não! Sou de Castelo Branco, vim ao Porto a trabalho.

Graciete começa a rir-se ao olhar para Gonçalo e lembra-se do que sucedeu momentos antes e contagiado também ele se ri.

Já na colina da Sé, ambos observam a catedral, um monumento em estilo romântico marcado principalmente pela sua rosácea.

- Foi nesta igreja que se utilizou pela primeira vez o arcobotante...
- Arcobotante?! -interrompe-a.
- Sim, é um elemento arquitectónico.
Entram e sentem no corpo a gelidez do ambiente. O seu interior é magnifico a nave central possui dois belos órgãos e nas alturas do coro um outro.
Na capela-mor fica o tão estupendo altar de prata. Seguem para os claustros e param.
- O Porto é uma cidade cheia de encanto! -diz Gonçalo.
- Sim e quem cá vive mal a conhece! Que é o meu caso. -responde Graciete.

Uma ilustre escadaria do século XVIII de Nasoni eleva aos pisos superiores, onde os painéis de azulejos salientam a vida da Virgem e as Metamorfoses de Ovídio.

Na saída, ambos se detêm sobre o túmulo gótico do cavaleiro da Ordem de Malta. O dia estava a ser inacreditável, Graciete sempre gostou de estar acompanhada, principalmente com alguém que a fazia sentir-se bem, e pelo que parece até com um desconhecido. Seguem pela escadaria dos Guindais que dá à marginal, pelo caminho observam as fachadas das casas típicas daquela zona, onde as roupas multicoloridas secam ao sol e ganham vida com a ténue brisa que se faz sentir. Graciete despreocupada regista tudo isto. Enquanto enquadra uma perspectiva fotográfica interessante, Gonçalo apercebe-se que ela está muito concentrada e sorrateiramente chega-se para junto dela e prega-lhe um susto, aborrecida por lhe ter distraído, corre atrás dele pelas escadas abaixo. No terminal das escadas, Gonçalo pára e agarra-a, estão frente a frente, a sentir a respiração um do outro, o coração ofegante de ambos bate mais forte não pelo esforço da corrida, mas por algo mais. Uma janela se abre com um barulho ensurdecedor despertando-os do momento.

- Correr faz bem! -Gonçalo quebra o embaraço do seu acto e sorri, e Graciete corresponde “O que se passou aqui? Que sensação.”

Sorriem e continuam a caminhada. Já na ribeira reparam no painel de azulejos de Júlio Resende intitulado por "Ribeira Negra" numa representação de todo o ambiente ribeirinho. A visão que se tem para a ponte D. Luís I é esplêndida, a sua arquitectura de ferro vista de baixo dá a sensação de como as pessoas são pequenas. As Alminhas da ponte em baixo relembram a tragédia que aconteceu na travessia da Ponte das Barcas. Na ribeira destaca-se a Praça da Ribeira, o muro dos Bacalhoeiros, a casa do Infante e principalmente é neste local que se encontra a alma da população invicta. Gonçalo e Graciete vão a um café para lanchar. Sentados na esplanada observam o rio e o cais de Gaia em silêncio.

- Sabes, estou a adorar o dia de hoje. -comenta Graciete.
- Eu também, principalmente da companhia. -diz Gonçalo enquanto olha nos olhos dela e aproxima sua mão da dela. Quanto lhe toca ligeiramente, chega o empregado:
- Aqui está a conta!

Graciete e Gonçalo pagam e partem.

Vão para o elevador dos Guindais, já não têm forças para fazer o mesmo percurso. A subida de elevador é instantânea e a paisagem que se tem é de uma experiência única. No fim da linha, Graciete decide ir ao tabuleiro superior da Ponte D. Luís I, a travessia a pé deixa a qualquer um instável, mas observar o pôr-do-sol no meio da ponte é de uma beleza extraordinária. É um fenómeno natural tão puro que toca na alma das pessoas de uma forma tão suave, tão calma que tudo o que rodeia desaparece. O olhar de ambos perde-se na linha do horizonte onde o céu e o mar dão o mais profundo abraço tornando-se num só. Graciete também ela se sente abraçada não pelo que observa, mas sim pelo encosto de Gonçalo. O ténue calor do sol aquece este momento único.

Graciete abraça este momento e ao olhar para baixo vê as suaves ondas vergadas aos seus pés. Sente a brisa a tocar no seu rosto e a levantar suavemente os seus longos cabelos. Graciete sente-se segura, olha nos olhos azuis de Gonçalo e mergulha nas suas profundezas como se o tempo parasse, sentiu que Gonçalo em pouco tempo já fazia parte da sua vida.

Atravessam a ponte e vão à Praça da Batalha onde à muitos anos atrás deu lugar uma batalha entre sarracenos de Almançor e os habitantes do Porto, saindo estes últimos derrotados, sem nome aparente aquele local foi baptizado como a Praça da Batalha. Neste local é possível encontrar o teatro nacional D. João V, o cinema Batalha e a igreja de Santo Ildefonso. Graciete aproxima-se da entrada da igreja só para observar um pormenor, neste edifício ainda são visíveis as marcas da batalha e sem perder tempo regista fotograficamente as balas incrustadas. Já é praticamente noite e Gonçalo prepara-se para se despedir.

- Já está tarde, preciso de voltar para o hotel tenho um pouco de trabalho ainda em atraso e preciso de o concluir.
- Mas já? Estava a pensar que talvez quisesses jantar fora.
- É um convite tentador, mas eu preciso mesmo ir. Fica para amanhã!

Trocam os números de telemóvel e despedem-se. O dia não podia ter corrido melhor, depois de um dia depressivo como o anterior, o de hoje apaga todas as mágoas.

Já em casa, Graciete sente-se exausta do percurso, senta-se e transfere as fotografias para o computador, fica a vê-las e relembra todos os momentos.

Congelada observa uma fotografia de Gonçalo. Levanta-se, decide relaxar um pouco. Despe-se sem pressa enquanto se dirige para a casa de banho, abre a torneira e tempera a água misturando os sais de banho. A temperatura do espaço torna-se quente devido ao vapor e sem temer o contacto o corpo frio funde-se na quentura do depósito das águas. Graciete deita-se, fecha os olhos e mergulha todo o corpo na água, relaxa e lentamente eleva a cabeça até à superfície. Da sua mente brota o rosto de Gonçalo e é com ele no pensamento que adormece nas águas calmas da sua banheira. Acorda com o som do seu telemóvel, sente-se fria e dá conta que adormeceu, ergue-se e deixa que as gotículas de água escorram no seu corpo. Enrola-se no roupão e segue em direcção ao pequeno aparelho. Nele é possível ler-se: "Amanhã prepara todo o material e vem ter comigo ao museu Soares dos Reis às 14 horas. Aguardo pela tua chegada beijo Gonçalo".

- “Graciete estás a apegar-te um pouco demais ao rapazinho tenho de reconhecer que ele é especial, mas está a correr tudo muito rápido. O seu convite foi lindo, museu soares dos reis aguarda-me.”

Sorri, ficou contente com o convite. Um pouco longe da sua casa, num quarto de hotel Gonçalo encontra-se sentado num estado de profunda tristeza.

Recebeu uma chamada a comunicar-lhe que precisavam dele, assim só tinha mais três dias no Porto. Ao mandar a mensagem a Graciete sente uma tristeza que o absorve. A tarde com Graciete marcou-o. Encosta a sua cabeça no sofá de cabedal e eleva o copo com uísque até à sua boca e sente o líquido a queimar todo o seu interior. Abana o copo e vê as pedras de gelo a balançar tocando-se sempre que o líquido permite. Gonçalo relembra a tarde e quando olha novamente para o copo, o gelo desvanecera-se misturando-se com o álcool para não mais voltar. Uma lágrima descontrolada percorre o seu rosto suave e jovem adormecendo com ela como companheira de leito.



Na porta do Museu Soares dos Reis, Gonçalo enquanto espera, verifica-se de 5 em 5 minutos a sua imagem pelos reflexos da porta. A sua apresentação é muito importante para demonstrar a Graciete. Ela chega deslumbrante como no dia anterior, Gonçalo abraça-a fortemente e dá-lhe um beijo suave e carinhoso no rosto. Sem mais demoras, entram no museu.

Antigo Palácio das Carrancas tornou-se no primeiro museu público. Para ela, aquele espaço é especial lembra-lhe a escola que frequentou que contém o mesmo nome " Soares dos Reis" em homenagem ao escultor, a maior parte da sua obra encontra-se neste edifício, obras como a escultura de mármore de "O Desterrado". Como a sua anatomia é perfeita e bela, o mais simples pormenor está representado na perfeição. Exploram todo o recinto, vêm as artes decorativas como a cerâmica de faiança portuguesa do séc. XVII ao séc. XX, a colecção de joalharia, ourivesaria e mobiliário de carácter religioso e civil, assim como colecções de têxteis e vidros.

Gonçalo nunca foi de apreciar arte, mas a companhia de Graciete despertou nele uma sensibilidade para observar com outros olhos a arte. Graciete tinha razão ao enunciar a frase de Marcel Proust a Gonçalo "Somente através da arte nós conseguimos sair de nós mesmos e conhecer a visão do outro sobre o universo."
Desceram a rua e foram até aos jardins do Palácio de Cristal. Ao entrar, Gonçalo pergunta:

- Qual é o motivo para este sítio se chamar Palácio de Cristal?
- Antigamente não era este pavilhão que estava aqui, existia mesmo um palácio todo em cristal, mas foi destruído. E agora construíram este pavilhão, o Pavilhão Rosa Mota, não se compara com a beleza do anterior, mas o termo Palácio de Cristal ainda prevalece ao ser lembrado pelas pessoas que o pronunciam dando vida a este lugar.
- Mas decidiram destruir o verdadeiro Palácio de Cristal, porquê?
- Coisas da vida. -responde Graciete.

Na entrada Graciete explica a Gonçalo que aquelas estátuas que ali se encontram são referentes às estações do ano assim com as fontes. Passam pela avenida das Tílias, pela Biblioteca Municipal Almeida Garret, a concha acústica e por fim pela capela que foi construída a mando de uma princesa em homenagem ao seu irmão rei Carlos Alberto. Graciete retrata tudo por onde passa ao mesmo tempo que dá a conhecer os locais a Gonçalo. Visitam o museu romântico da Quinta da
Macieirinha, uma casa que pertenceu à família burguesa abastada do rei Carlos Alberto, um local de exílio. Mergulhados no tom esverdeado da verdura caminham calmamente pelo jardim de plantas aromáticas, o jardim das medicinais, o jardim do roseiral e o jardim dos sentimentos. Pelo labiríntico jardim eles perdem-se nas curvas sinuosas e desconhecidas dos sentimentos. Graciete repara no estado de Gonçalo, ele caminha lentamente na sua tristeza, tira-lhe uma fotografia e dirige-se a ele.

- Que se passa? -pergunta preocupada.
Gonçalo fecha os olhos à procura de consolo e responde:
- Nada.

Graciete não fica convencida da resposta, mas não insiste, apenas oferece-lhe um ténue sorriso nos lábios.
Passeiam pela avenida dos Castanheiros e pelo bosque e deslumbram-se com toda a panorâmica que têm sobre a cidade do Porto, Gaia e o rio Douro. Vão a um miradouro e tiram algumas fotografias, juntos. Com o passar do tempo os dois vão conhecendo-se.
Graciete ainda quer levar Gonçalo a um dos monumentos que ela mais adora.

Construído por Nicolau Nasoni e de estilo barroco é decorado com esculturas de santos, cornijas, fogaréus e balaustradas e que em tempos serviu de ponto de orientação para os marinheiros que chegavam ao Porto, a tão conhecida Torre dos Clérigos.

- Preparado? Temos 225 degraus para subir, depois visitámos a igreja. -diz Graciete.
- Não há elevador? Era mais fácil.
- Não é tudo à base de ginástica!

Graciete sabe que ao chegar lá cima Gonçalo vai ficar radiante com a beleza da paisagem. Ao chegar ao topo ele fica maravilhado com a vista desordenada da textura das casas. Os 76 metros de altura não lhe fazem impressão. Lá em cima o vento já é forte e frio. Da igreja destaca-se a nave elíptica e o altar-mor de retábulo de mármore policromo onde repousam os restos mortais do arquitecto.

Á saída umas ténues pingas caem do céu, os dois olham-se:

- E que tal se fossemos procurar sítio para jantar? -pergunta Graciete.
- Pode ser no hotel em que estou instalado, a comida lá é divina, além demais sempre temos música e convívio. -responde Gonçalo.
- Claro, porque não? Mas preciso ir a casa.
- Porquê? Estás óptima!
- Obrigada, mas eu preciso mesmo, mas o que preciso mesmo é de uma boa “ducha”.
- Vendo as coisas por esse lado, eu também preciso do mesmo. Bem a que horas e local, posso ir buscar-te?

Graciete escreveu no seu bloco de notas o endereço e combinaram para uma hora depois. Apanharam cada um o seu táxi e partiram em direcções opostas.

O problema de uma saída para uma mulher é sempre o mesmo, como se vestir. Este momento poderá ser especial daí o medo que Graciete sentia.

“Bem vestido preto, azul -marinho ou branco? Mmmmm vá lá Graciete decide está quase na hora. Ai Célia como me fazes falta nestas alturas, fazes sempre, mas principalmente nestas alturas.” Optou pelo vestido branco liso, pelo joelho com um afinado decote em que as alças descaiam ligeiramente sobre os ombros. Não perdeu tempo para arrumar o seu cabelo, gostava do seu ondulado natural e a maquilhagem ficou-se apenas pelo glossy para realçar os seus lábios carnudos. O seu telemóvel toca, é Gonçalo que já a espera. Graciete olha para as horas no visor e sorri, ele é pontual. Sem perder tempo veste o seu casaco preto, pega na mala e desce.

Encostado a um táxi, ele a espera. “Como ele está lindo”. Sapatos elegantes pretos, calças escuras, camisa preta e “blaiser” preto distinto. Uma imagem mais formal do que a da tarde que num todo fazia sobressair a sua pele branca e os olhos claros. Entram no táxi.

- Vê-se bem que não és de cá? -Graciete ri.
- Nota-se assim tanto?
- Sim!
- Bem, não tinha outra opção vinha com o meu carro, mas não conheço as ruas quem melhor que um taxista para dar uma ajudinha?

Pelo retrovisor o taxista olha para Gonçalo e ri com o comentário.

As suaves pingas tornam-se em chuva agressiva, apressam-se até ao hotel.

Quando chegam de táxi à porta do hotel, Graciete nem queria acreditar.

- Tu estás instalado neste hotel?
- Sim, porquê?

Graciete estava diante de um dos maiores hotéis de luxo da cidade do Porto.Gonçalo confuso não sabe se foi uma boa ideia mostrar quem é. Todas as raparigas que conheceu mostravam o gosto na sua carteira e não na sua personalidade, mas Graciete é diferente e o seu sentimento por ela também o é.

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