segunda-feira, 19 de julho de 2010

Capítulo 5

O cais de gaia é o seu destino de eleição para essa tarde, quer ter como paisagem o grande Porto.

Sentada na esplanada, saboreia o café calmamente, confortando-a do ambiente frio. Observa o outro lado do rio. As casas coloridas contrastam com as nuvens cinzentas que se formam no céu. O rio ondula de forma calma interrompido apenas pelos barcos rabelos que navegam nas suas águas. Quem poderia dizer que simples barcos como os que estão ancorados, transportassem o famoso vinho do Porto nas grandes pipas desde a Régua até ás margens de Gaia e da Ribeira.

O seu pensamento divagou por um sem fim de pormenores da paisagem, veio simplesmente para não pensar, mas principalmente para se esquecer de muitos outros pormenores que a atormentavam, pormenores que gostava, mas que avivam lembranças e as suas saudades. Tinha que esquecer e ia acabar por conseguir.

Cansada por ter apenas a ausência dele levanta-se e caminha lentamente pelos passeios largos.

Visita uma das caves do vinho onde fica a conhecer toda a sua origem, bem como toda a viagem que faz a nível de escala mundial. Ao entrar, recebe um pequeno folheto, do qual cita algumas referências:

As Origens: A primeira referência escrita de que se tem conhecimento e ligada ao nome "Vinho do Porto", com referência ao Vinho do Douro exportado pela Alfândega do Porto, data dos finais do ano de 1678.

O Alvará Régio: Aos 10 de Setembro de 1756, por Alvará Régio de El-Rei D. José I, sob os auspícios do seu Primeiro-Ministro, Sebastião José de Carvalho e Mello, foi instituída a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro, também denominada Real Companhia Velha. Formada pelos "principais lavradores do Alto-Douro e homens Bons da Cidade do Porto, à Companhia foi confiada a missão de sustentar a cultura das vinhas, conservar a produção delas na sua pureza natural, em benefício da Lavoura, do Comércio e de Saúde Pública".

Vida e Obra: Em 1781, a Real Companhia Velha levou os seus vinhos aos lábios imperiais de Catarina da Rússia, através de grandes carregamentos em navios fretados para o efeito, iniciando assim a navegação Portuguesa para os portos do Báltico e as permutas comerciais com aquele país.Como consequência das acções da Companhia as exportações dos afamados vinhos da Região Douriense experimentaram um considerável e sucessivo aumento. Durante os séculos XVIII e XIX navios carregados com Vinho do Porto da Real Companhia Velha partiram para o brasil onde a Companhia detinha o exclusivo do fornecimento dos vinhos do Alto-Douro. Nos anos de 1851/52, a Companhia possuía entrepostos comerciais para os seus vinhos em quase todos os portos do mundo sob a protecção das missões diplomáticas Portuguesas.

Porto um Clássico: Conhecido pelo nome da cidade de onde é exportado, o Vinho do Porto foi comercialmente descoberto no séc. XVII pelos comerciantes ingleses, que espalharam a sua fama por todo o mundo.Desde então, o Vinho do Porto não parou de ganhar consumidores e novos mercados, verificando-se actualmente um consumo anual de 120 milhões de garrafas a nível mundial. As vendas de Vinhos do Porto estão porém muito concentradas na Europa Ocidental e em países com tradições no consumo de Vinho.

Quando sai, sente umas pingas suaves olha para o céu e sorri. Começa a chover com mais intensidade, obrigando-a a abrir o guarda-chuva. O tempo não a incomoda e segue em direcção à ponte D. Luís. Atravessa-a sem pressa e lembra-se do momento que teve dias antes, a uns metros de altura, numa nostalgia que só acaba no fim da ponte.

Ao passar pela escola Balleteatro Graciete distingue um rosto familiar. O passado volta para o último dia de escola na Soares, para a sua maior desilusão e a sua maior perda. Sabia que tinha que ir para França, tinha que afastar-se de todos, tinha que afastar-se de Valter.

Depois de tudo, depois do que os seus olhos tinham visto das amizades que tinha construído, do amor adolescente, as dúvidas não persistiram mais, tinha que ir para a universidade Francesa. Queria investir na sua carreira e ia dar tudo por tudo para ser a melhor e ao faze-lo ia esquecer o amor que deixava para trás.

A única ligação que tinha com Portugal era Célia. Falavam dos seus cursos, das novas amizades… mas tudo voltava ao ponto crucial aquele que Graciete fugiu. Ao fim de pouco tempo as conversas eram cada vez menos até que acabaram. Ambas queriam dar um tempo à sua amizade parecia doentio, as melhores amigas inseparáveis pararem de falar. Era o melhor não ajudava viver o presente a pensar no passado. Ambas seguiram caminhos diferentes e tinham que arcar com as consequências. Podiam falar, meios não faltavam, mas a saudade tornava-se cada vez mais cruel. Nem sequer houve troca de cartas ou de fotografias. Graciete pensava vir nas férias, mas acabava sempre por trabalhar para comprar material fotográfico. Se tivessem que se encontrar um dia esse dia acabaria por chegar.

Célia conversava com uma senhora de idade à entrada do Balletteatro. As suas feições continuavam as mesmas, mas mais maduras.

O dia do encontro tinha chegado, e Graciete não quer desperdiçar esta oportunidade, o passado está enterrado faz tempo. A mulher vai-se embora e Célia começa a andar em direcção a Graciete.
- Célia?
- Sim?

Célia olha a jovem, não se lembra do seu rosto, “talvez seja uma das novas alunas do ballet”, mas sem saber porquê o olhar da jovem é-lhe familiar e a voz “eu conheço essa voz de algum lado, mas de onde?”
- Não te lembras de mim?
- Eu não… - sim aquela bolinha preta no olho esquerdo ao lado da íris, ela conhecia, ela sabia quem era, este pormenor só pertencia a uma pessoa que conhecia. Célia ergue os seus braços e agarra a sua amiga.

Abraçam-se com uma grande força de vontade e ficam assim alguns minutos. Célia a grande amiga inseparável.

Nenhuma das duas sabe como se dirigir à outra. Riem como duas adolescentes e tornam-se a abraçar. Graciete aproveita o abraço e fica contente até com as suas próprias gargalhadas “há quanto tempo que não se ria assim? Bem não importa, o importante é que reencontrou Célia mais nada importa”.
- Tens a onde ir? -Célia pergunta.

- Na verdade não.
- Queres ir lanchar?

O estômago de Graciete ronca, Célia a olha e ri-se ainda mais.
- Eu aceito -Graciete sorri.

Caminham no inicio sem dizer nada.
- Tu não me conheces-te.
Não era uma pergunta, era uma afirmação e Célia sabia.
- Não, não te conheci. Estás muito diferente, tu ficas diferente com muita facilidade, mas não contava encontrar-te no Porto, faz tanto tempo que não trocamos noticias uma à outra, nem sequer fotografias. Desculpa Graciete, foi muito em cima e estando tu tão diferente…
- Mas depois conheceste-me. -Graciete ri.
- Que tem sido da tua vida, Célia?
- Pois, já passou uns anitos desde que foste para França. Eu como sabes vim aqui para o Balleteatro.
- Seguiste então o Teatro?
- Teatro e dança! E a fotografia?
- A universidade era óptima. Estou a pensar em fazer um livro com um trabalho que penso em realizar.

- Mas em que tipo de fotografia estás a trabalhar?
- Em França trabalhava para uma agência ligada à arquitectura, mas faço um pouco de tudo neste momento estou mais virada para o conceptual.
- Mas viestes passar férias?
- Não. Vim a trabalho. Vou trabalhar para a soares.
- A sério? Que coincidência.
- Coincidência, porquê? Também trabalhas na soares?
- Não! Mas dou aulas de dança contemporânea. Investi muito na dança e agora ensino a outros que gostam do mesmo. Estamos a preparar um espectáculo. Acabei agora o meu horário de expediente. Para a próxima, vens fotografar uma aula das minhas ou um espectáculo!
- É só dizeres!
- Quem diria que um dia ias envergar pelo ramo educativo!
- Parece que sim, com o passar do tempo mudei de ideias em relação ao ensino.
- Dizias sempre que querias um trabalho só para fotografar e não para ensinar! -diz Célia em tom de brincadeira.
- Isso é verdade… mas olha, mudei de ideias. Sabias que a soares mudou de instalações?
- Sim soube através do jornal de notícias, li uma notícia que me chamou à atenção parece que estão em dificuldades económicas. Desde que soube que não passei mais na firmeza! Mais e pelos vistos a escola nova é muito maior tem o dobro das instalações.
- Para minha infelicidade, eu passei. Mas nem te conto como foi…
- Pois, imagino!
- Mas isso das dificuldades económicas… não gostei muito

- Oh Graciete, isto está mal em todo o lado.
- Pois eu sei. Olha, não queres vir dar uma volta? Estava a pensar ir ali à Igreja de S. Francisco e depois logo víamos. Assim continuámos a conversa.
- Ah, vamos lá! Nunca lá fui.

Pelo caminho curto perguntam pela família. A alguns escassos metros entram na Igreja de S. Francisco. Famosa pelo seu revestimento todo em talha barroca dourada é uma representação gótica iniciada pelos Franciscanos. Mesmo ao lado encontrou-se um convento que foi destruído pelos civis no início do século XIX.
- Esta igreja é de ouro! -diz Célia arrebatada com o seu ornamento.

Percorrem várias capelas interessantes, entre elas existe uma que representa uma cena em que verdutos marroquinos se preparam para decapitar um grupo de missionários portugueses.
- Não percebo o porquê de não pudermos fotografar belezas como estas. Em Paris nas grandes catedrais deixam fotografar e aqui é isto! -Graciete está inconformada.
- Minha cara amiga, estás em Portugal, isto é propriedade privada.
Mesmo ao lado visitam o museu da igreja, também este deslumbrante. Nos "calabouços" deste edifício vêem as urnas de alguns falecidos assim como as ossadas.
- Uou!

- Isso faz-me lembrar qualquer coisa. Sorriem as duas.

Já cá fora Célia pergunta a Graciete se já tinha visitado o Palácio da Bolsa. A resposta negativa leva as duas até ao edifico de arquitectura toscana.
- Lembraste dos tempos de escola, da brincadeira que fazíamos quando estudávamos para um teste de história?
- Sim. -responde Graciete.

- Vamos ver se a nossa história está em forma?
- Começas tu, então. -diz Graciete.
- Foi construído em 1842.
- Fachada neoclássica… -Graciete em dúvida.
- Influência na arquitectura industrial pelo pátio conter ferro e vidro. -Célia diz convicta.
- Ouvi dizer que possui salão árabe.
- Eu também, mas nunca vi.
- Vamos ver então!
Ingressaram pelo desconhecido para ambas, o casarão sóbrio abriga um belo salão árabe. Amplo, rodeado por colunas, onde se mistura o neoclassicismo e o gosto ilimitado da geometria do próprio Islão.
As duas estavam radiantes.

De saída, em frente, fica o Mercado Ferreira Borges. A estrutura de ferro em tom ocre não deixa passar despercebida a feira de livros temporária que lá se encontra.
- Vamos ver? -pergunta Graciete entusiasmada.
- Sim, os livros têm desconto pode ser que tenha lá algum que me agrade.
Pelos corredores cheios de mesas com livros Graciete vê alguns, até que pára na secção dos livros de romance e pega no livro "Um amor do Futuro" e fica perdida em pensamento.
- Ora, ora! Apaixonada?
- Talvez! -responde Graciete.
Célia não fica convencida com aquela resposta.
- Acho que ainda tens muito para me contar.
Graciete sorri e continua. Por fim, Graciete leva um livro de fotografia, era mais um para a sua colecção.

Célia mora a um quarteirão de casa de Graciete, pelo caminho ela convida Célia a jantar lá em casa. Assim recordavam os tempos de escola as suas conversas e traquinices.

Chegam a casa de Graciete e juntas preparam o jantar. Quando Célia se prepara para por a mesa repara no bilhete que Gonçalo deixara. Pega no papel vai até à cozinha e num tom de inspecção diz:
- Acho que tens mesmo algo para me contar!
Graciete olha a amiga e sorri. Nunca conseguiu esconder nada de Célia, aliás as duas sempre foram grandes confidentes.

Durante o jantar Graciete conta-lhe toda a aventura que teve com Gonçalo durante os últimos dias intensos. Célia apesar de acha-la uma louca sabia muito bem que Graciete gosta de viver cada minuto intensamente, mas no que toca ao amor só se envolvia com alguém que sentisse algo especial.
- Mas então, tudo acabou?
- Claro que sim! Não acredito em relações à distância.
Elas riem-se.

Depois do jantar, Graciete dá a conhecer alguns dos trabalhos que tinha realizado.
- Já não devias estar a dar aulas?
- Não, porque vim substituir uma professora e a escola ainda está a acertar os últimos papéis, democracias!
- Papéis e democracias é uma coisa que nós, professores já estamos fartos!
- Porquê dizes isso?
- Ah pois! Vieste agora e nem sabes de metade. Os professores neste país estão a atravessar um grande confronto com o Ministério da Educação, por causa do processo de avaliação dos professores.
- Como assim?!
- Não te admires se quando chegares à escola sentires um descontentamento, em todas as escolas anda tudo assim.
Célia explica melhor toda a história, prepara-a para a realidade que terá de enfrentar. Já está na hora de Célia ir para casa, o encontro com Graciete e o resto do dia que passaram juntas tinha sido do melhor. Graciete convida-a para no dia seguinte estarem juntas, mas Célia não pode, talvez pela noite desse lá um saltinho.

Graciete com o reencontro com a amiga não se sente tão só, sabe que pode contar com ela para o que der e vier.