domingo, 17 de janeiro de 2010

Capítulo2

O som estridente do despertador faz com uma mão se eleve no ar. O trrriiimmm frenético cessa quando a mão carrega no botão. Graciete destapa o rosto ensonado e permanece de olhos fechados.
- Como será a soares? Será que continua com o mesmo espírito? Não, duvido! A soares do meu tempo não é mais a mesma o espírito quebrou-se. Tu e a tua mania de falar sozinha logo de manhã Graciete. Porquê que começas o dia logo a pensar? Bem é melhor preparar-me para não chegar atrasada.

Levanta-se, abre a janela e vê o tempo.

Diante da nova Soares dos Reis o seu corpo não consegue sair do sítio em que se encontra. Graciete não sabe o que esta a sentir, se por um lado o dia anterior foi repleto de emoções hoje encontra-se num estado de absoluta decadência. Um edifício grande de cor azul céu ergue-se imponente à sua frente. Como pensou horas antes este novo espaço não irradia, o verdadeiro sentimento artístico. Na entrada, o impacto da interacção dos alunos entre si sumiu. Resta apenas a presença do novo elemento, o porteiro.

Já no edifício, dirige-se à funcionária de recepção:
- Bom dia! -diz Graciete.
- Bom dia!
- Podia-me informar onde é a secretaria?
- É já aqui à minha esquerda nesta porta de vidro.
- Obrigada.
A poucos passos entra na secretaria e segue em direcção ao balcão.
- Bom dia!
- Olá, bom dia! Em que posso ajudar?
- Sim, sou a Graciete Avelar e vim tratar dos últimos documentos referentes ao contracto.
- É a menina que vai substituir a professora de fotografia?
- Supostamente sim! -diz Graciete sorrindo.
- Ah, sim! Foi com a menina que falei ontem, já me recordo. Então é assim, falta assinar o contracto e entregar o horário. Segunda-feira começa já no activo.

Graciete sela o compromisso e recebe em mãos o seu futuro horário. Posto isto, despede-se dos funcionários e sai.
Aproveita o momento e visita a escola por conta própria.

Repara em todo o ambiente. O pó das obras está à vista por todo o lado, os corredores são amplos e longos repletos de múltiplas paredes envidraçadas que deixam à vista o exterior. Num dos muitos corredores desloca-se numa escada desconfortável de degraus longos que dificulta o andar.

Graciete precisa de sentir o gosto tradicional da invicta, decide então almoçar num dos restaurantes mais conceptuais da cidade conhecido como Abadia.

O seu ambiente bem como o bom gosto na decoração exalam requinte, onde algumas das paredes se sobressai os belíssimos azulejos. Todo este esplendor faz com que a jovem rapariga se sinta também ela refinada e a um nível da mais alta sociedade.

Sem olhar a meios na despesa pede o melhor vinho da casa e as entradas. Enquanto saboreia os petiscos olha distraidamente para o espaço, os seus pensamentos estão presos nos últimos acontecimentos desde a sua chegada. No meio deste turbilhão de emoções algo a perturba e sente-se observada.

- Menina deseja mais vinho?
Graciete vira-se e da de caras com o jovem que momentos antes a serviu.
- Sim, por favor. Obrigada pela sua atenção. Já agora gostaria de dar entrada com o prato principal.
- Muito bem, o que deseja?
- O que me sugere? -responde com um sorriso.
- Tripas à moda do Porto são...
- Assim seja. Aceito a sua sugestão! -responde bebendo um pouco de vinho.
- Sim menina. Com licença.

Voltou a sentir a mesma sensação está sem dúvida a ser observada decide então pegar na sua máquina e tirar uma fotografia. Nesse acto distraído foca uma mesa em frente e quem a ocupa e clica, após este acto a jovem não retira a máquina do seu rosto.

Um jovem bem apresentado não se inquieta com a objectiva que Graciete segura e com um à vontade fora do comum sorri.

Graciete sente o olhar azul profundo que o desconhecido lhe dá a conhecer e isso agrada-a. Retira a máquina da frente da cara e retribui o olhar.

Graciete não é rapariga de se deixar intimidar, pelo contrário também ela gosta de provocar, mas desta vez sente-se a corar.
- O seu almoço menina.
- Ah? Ah sim, muito obrigada.
- Bom apetite!
- Será certamente. -responde Graciete com um sorriso para o seu vizinho.

Enquanto saboreia o seu almoço apimenta-o com trocas de olhares sensuais e sorrisos atrevidos num divertimento quase de adolescente.

Mal acaba a refeição Graciete levanta-se para efectuar o pagamento no balcão, com todo o conteúdo que tem dentro da mala ao retirar o cartão de crédito da carteira este acaba por cair. Ao abaixar-se para apanhar o objecto, surge repentinamente uma mão que toca na sua.

- Aqui tem o seu cartão! -diz o jovem com um sorriso não disfarçando o olhar atento da perna bem torneada que a racha da curta saia deixa à vista de todos. Graciete percorre o braço com o olhar e percebe que os olhos azuis, que a observaram ao longo do almoço, se encontram fixos à sua perna.
- Muito obrigado, não precisava incomodar-se! -responde a jovem atrapalhada erguendo-se.
- Não é incómodo nenhum! Bem...de perto a sua beleza é muito mais radiante! -disse, ele num ar de sedução.
- Oh, muito obrigada!
- Posso tratá-la, por tu?
- Ah? -não acredita no à vontade do jovem.
- Reparei que estás só.
- Nunca, estou só.
- Uma máquina fotográfica sem dúvida que é uma óptima companhia para quem está só! -Graciete sorriu, o jogo tinha sido lançado.
- Pelo que parece tens um grande fascínio pela fotografia.
- Sério? O que te leva a pensar nisso?
- Menina, peço desculpa em interromper, mas deseja proceder ao pagamento da conta? -disse o recepcionista interrompendo a conversa
- Sim, claro!
- Aqui tem o recibo, boa tarde!
- Boa tarde!
- Onde é que ia a nossa conversa? -pergunta o desconhecido.
- Conversa? Bem, ias na parte em que dizias que eu tinha um grande fascínio pela fotografia!
- Claro, pelo que pude observar quando pegas na máquina, é como se vivesses para fotografar!
- De certa forma, sou professora de fotografia! -meteu a mão na boca tinha falado de mais, como é que podia dar a conhecer essa informação se nem conhecia aquele rapaz, aqueles olhos, aqueles lábios que se mexiam a cada palavra que pronunciava.
- Está tudo bem? -num gesto de amparo agarra no ombro de Graciete.
- Sim, é que sempre me ensinaram, desde pequenina, a não falar com desconhecidos. -Graciete sorri em tom matreiro.
Ele sorri. Como o seu sorriso é lindo aqueles lábios carnudos deixam à mostra uma dentição perfeita. “Bolas Graciete o que está a dar? Ele é um desconhecido vais-te encantar por um simples sorriso?”
- Oh claro desculpa. Chamo-me Gonçalo! És professora? Sério? Quem me dera ter tido a sorte de ter uma professora tão bonita! Também sou fascinado por fotografia, mas não tenho jeito nenhum.

Graciete sorri, simpatizou com ele, e seguiu o jogo.

- Queres vir dar uma volta? Tenho um percurso em mente pelas ruas do Porto se aceitares a minha companhia aproveitava e ensinava-te algumas técnicas de fotografia. -disse Graciete.
“Não, não aceites, mas porquê que eu quero que aceites este convite? Graciete tu não estás bem ele é um desconhecido.” Os seus pensamentos pararam com a resposta.
- Sim aceito, como poderia recusar? Não tenho nada para fazer esta tarde. Já agora como te chamas?
- Graciete. -sorri, ele tinha aceite o seu convite.

Saíram do Abadia. Graciete sempre foi uma pessoa de fazer rapidamente amizades, a sua aparência também contribui. Pelo caminho pouco se falam ambos pensam como se dirigir ao outro. É nestas interrogações que sem darem conta, chegam à Avenida dos Aliados. De frente para a Câmara Municipal do Porto, Graciete quebra o silêncio.

- Podemos começar por aqui! -diz ela dando a sua máquina a Gonçalo.
- Aqui? Agora? Bem eu não tenho grande jeito para…
- Não importa, eu ajudo! Bem, para começar temos que olhar para o edifício e procurar algo que nos chama a atenção, um pormenor que nos diga alguma coisa, depois desse processo colocamo-nos no sítio que achamos o mais indicado para dar relevância ao que queremos retratar e nada melhor que nos colocar num ponto de vista que ninguém observa esse pormenor. Isso também é a chave para uma boa fotografia e principalmente para chamar a atenção de quem a observa.
- Bem… muito profissional! Mas por vezes isso é extremamente difícil.
- Sem dúvida que o é, mas isso adquire-se com a prática! Muito bem chega de aula teórica e vamos passar para a acção!
- É para já senhora professora! Já agora poderá ajudar-me na primeira fotografia?
- Sim! Vou abrir uma excepção, mas só hoje. -responde a jovem com um sorriso.

Graciete baixa Gonçalo e coloca-se por trás dele para lhe ajeitar a máquina de forma que ele visse o edifício numa perspectiva de contra picado, de baixo para cima. Cola o seu dedo por cima do dele e no ponto certo o dedo superior faz pressão e ambos “clicam”. Um clima diferente forma-se com aquele acto. Gonçalo sente-se encantado com aquele toque, mais que a fotografia, saboreou o dedo fino e comprido sobre o seu, a sua pele é tão suave e tão delicada como o toque que ele sente. Inspira o seu perfume sem demora. Todos estes sentimentos num simples acto de fotografar.

Graciete pega na máquina fotográfica e corre pela Avenida abaixo. O seu acompanhante imita-a. Aproveitando a distância que os separa a jovem fotografa o seu seguidor. Os dois divertem-se, mas quando Graciete chega à Praça da Liberdade pára e observa toda a Avenida. Ao olhar lembra-se do tempo que existia o jardim, onde em pequena acompanhada pelos seus pais levava um saquinho de pão desfeito para alimentar as pombas. Gostava de sentir o bater das asas das aves próximas ao seu corpo. Sem dar por isso Gonçalo tira-lhe a máquina e retrata um rosto pensativo e delicado e contempla também o momento que ela lhe proporciona. O olhar da jovem perde-se nos pormenores da fachada de Art Noveau, as esculturas no frontão do edifício do banco de Portugal e na estátua equestre de bronze de D. Pedro IV. Instintivamente Graciete procura a máquina, mas não a encontra apenas uma voz que a desperta.

- Procuras isto?
- Sim, mas como é que tens a máquina?
- Enquanto pensavas tirei-te a máquina e aproveitei o momento a fotografa-lo e atrevo-me a dizer...
- Sim?
- A observar-te. Fotografar é divertido.
- Percebesse pela forma como te estás a rir, já percebi que fotografar-me é muito divertido. -Graciete faz cara de amuada.
- Oh desculpa, não queria dizer isso. É só que há muito tempo que não me descontraía e correr uma avenida cansa, mas descontrai!

Graciete continua com cara de amuada.

- Sério não tinha intenção de te magoar.
Graciete sorri abertamente.
- Então correr descontrai, hein? -pega na mão de Gonçalo e corre, os semáforos estão verdes e passam por eles a toda a velocidade, as pessoas olham-nos com má vontade, mas eles não se importam só param na estação de S. Bento, uma vez mais a jovem fica fascinada. Enquanto tentam controlar a respiração ofegante, observam uma maravilha de cerca de 20 mil azulejos azuis e brancos com toda uma história de actos portugueses num dinamismo absolutamente fantástico, tal como todo aquele espaço, é fascinante.

Gonçalo fica boquiaberto, e por momentos esquece-se de Graciete. Ela por sua vez olha-o divertida e vê ele a caminhar para trás de boca aberta embatendo contra um pilar.

Graciete ri-se, não consegue conter a gargalhada ao mesmo tempo que vai na direcção de Gonçalo.

- Estás bem? -pergunta divertida.
- Podia estar melhor se não fosse o pilar... fodasse a minha cabeça! Alguém viu?
- Penso que não!
- Teve assim tanta piada para não parares de rir?
- Nem sabes o quanto!
- Nunca vi um espaço como este.
- Tu não és do Porto, pois não?
- Não! Sou de Castelo Branco, vim ao Porto a trabalho.

Graciete começa a rir-se ao olhar para Gonçalo e lembra-se do que sucedeu momentos antes e contagiado também ele se ri.

Já na colina da Sé, ambos observam a catedral, um monumento em estilo romântico marcado principalmente pela sua rosácea.

- Foi nesta igreja que se utilizou pela primeira vez o arcobotante...
- Arcobotante?! -interrompe-a.
- Sim, é um elemento arquitectónico.
Entram e sentem no corpo a gelidez do ambiente. O seu interior é magnifico a nave central possui dois belos órgãos e nas alturas do coro um outro.
Na capela-mor fica o tão estupendo altar de prata. Seguem para os claustros e param.
- O Porto é uma cidade cheia de encanto! -diz Gonçalo.
- Sim e quem cá vive mal a conhece! Que é o meu caso. -responde Graciete.

Uma ilustre escadaria do século XVIII de Nasoni eleva aos pisos superiores, onde os painéis de azulejos salientam a vida da Virgem e as Metamorfoses de Ovídio.

Na saída, ambos se detêm sobre o túmulo gótico do cavaleiro da Ordem de Malta. O dia estava a ser inacreditável, Graciete sempre gostou de estar acompanhada, principalmente com alguém que a fazia sentir-se bem, e pelo que parece até com um desconhecido. Seguem pela escadaria dos Guindais que dá à marginal, pelo caminho observam as fachadas das casas típicas daquela zona, onde as roupas multicoloridas secam ao sol e ganham vida com a ténue brisa que se faz sentir. Graciete despreocupada regista tudo isto. Enquanto enquadra uma perspectiva fotográfica interessante, Gonçalo apercebe-se que ela está muito concentrada e sorrateiramente chega-se para junto dela e prega-lhe um susto, aborrecida por lhe ter distraído, corre atrás dele pelas escadas abaixo. No terminal das escadas, Gonçalo pára e agarra-a, estão frente a frente, a sentir a respiração um do outro, o coração ofegante de ambos bate mais forte não pelo esforço da corrida, mas por algo mais. Uma janela se abre com um barulho ensurdecedor despertando-os do momento.

- Correr faz bem! -Gonçalo quebra o embaraço do seu acto e sorri, e Graciete corresponde “O que se passou aqui? Que sensação.”

Sorriem e continuam a caminhada. Já na ribeira reparam no painel de azulejos de Júlio Resende intitulado por "Ribeira Negra" numa representação de todo o ambiente ribeirinho. A visão que se tem para a ponte D. Luís I é esplêndida, a sua arquitectura de ferro vista de baixo dá a sensação de como as pessoas são pequenas. As Alminhas da ponte em baixo relembram a tragédia que aconteceu na travessia da Ponte das Barcas. Na ribeira destaca-se a Praça da Ribeira, o muro dos Bacalhoeiros, a casa do Infante e principalmente é neste local que se encontra a alma da população invicta. Gonçalo e Graciete vão a um café para lanchar. Sentados na esplanada observam o rio e o cais de Gaia em silêncio.

- Sabes, estou a adorar o dia de hoje. -comenta Graciete.
- Eu também, principalmente da companhia. -diz Gonçalo enquanto olha nos olhos dela e aproxima sua mão da dela. Quanto lhe toca ligeiramente, chega o empregado:
- Aqui está a conta!

Graciete e Gonçalo pagam e partem.

Vão para o elevador dos Guindais, já não têm forças para fazer o mesmo percurso. A subida de elevador é instantânea e a paisagem que se tem é de uma experiência única. No fim da linha, Graciete decide ir ao tabuleiro superior da Ponte D. Luís I, a travessia a pé deixa a qualquer um instável, mas observar o pôr-do-sol no meio da ponte é de uma beleza extraordinária. É um fenómeno natural tão puro que toca na alma das pessoas de uma forma tão suave, tão calma que tudo o que rodeia desaparece. O olhar de ambos perde-se na linha do horizonte onde o céu e o mar dão o mais profundo abraço tornando-se num só. Graciete também ela se sente abraçada não pelo que observa, mas sim pelo encosto de Gonçalo. O ténue calor do sol aquece este momento único.

Graciete abraça este momento e ao olhar para baixo vê as suaves ondas vergadas aos seus pés. Sente a brisa a tocar no seu rosto e a levantar suavemente os seus longos cabelos. Graciete sente-se segura, olha nos olhos azuis de Gonçalo e mergulha nas suas profundezas como se o tempo parasse, sentiu que Gonçalo em pouco tempo já fazia parte da sua vida.

Atravessam a ponte e vão à Praça da Batalha onde à muitos anos atrás deu lugar uma batalha entre sarracenos de Almançor e os habitantes do Porto, saindo estes últimos derrotados, sem nome aparente aquele local foi baptizado como a Praça da Batalha. Neste local é possível encontrar o teatro nacional D. João V, o cinema Batalha e a igreja de Santo Ildefonso. Graciete aproxima-se da entrada da igreja só para observar um pormenor, neste edifício ainda são visíveis as marcas da batalha e sem perder tempo regista fotograficamente as balas incrustadas. Já é praticamente noite e Gonçalo prepara-se para se despedir.

- Já está tarde, preciso de voltar para o hotel tenho um pouco de trabalho ainda em atraso e preciso de o concluir.
- Mas já? Estava a pensar que talvez quisesses jantar fora.
- É um convite tentador, mas eu preciso mesmo ir. Fica para amanhã!

Trocam os números de telemóvel e despedem-se. O dia não podia ter corrido melhor, depois de um dia depressivo como o anterior, o de hoje apaga todas as mágoas.

Já em casa, Graciete sente-se exausta do percurso, senta-se e transfere as fotografias para o computador, fica a vê-las e relembra todos os momentos.

Congelada observa uma fotografia de Gonçalo. Levanta-se, decide relaxar um pouco. Despe-se sem pressa enquanto se dirige para a casa de banho, abre a torneira e tempera a água misturando os sais de banho. A temperatura do espaço torna-se quente devido ao vapor e sem temer o contacto o corpo frio funde-se na quentura do depósito das águas. Graciete deita-se, fecha os olhos e mergulha todo o corpo na água, relaxa e lentamente eleva a cabeça até à superfície. Da sua mente brota o rosto de Gonçalo e é com ele no pensamento que adormece nas águas calmas da sua banheira. Acorda com o som do seu telemóvel, sente-se fria e dá conta que adormeceu, ergue-se e deixa que as gotículas de água escorram no seu corpo. Enrola-se no roupão e segue em direcção ao pequeno aparelho. Nele é possível ler-se: "Amanhã prepara todo o material e vem ter comigo ao museu Soares dos Reis às 14 horas. Aguardo pela tua chegada beijo Gonçalo".

- “Graciete estás a apegar-te um pouco demais ao rapazinho tenho de reconhecer que ele é especial, mas está a correr tudo muito rápido. O seu convite foi lindo, museu soares dos reis aguarda-me.”

Sorri, ficou contente com o convite. Um pouco longe da sua casa, num quarto de hotel Gonçalo encontra-se sentado num estado de profunda tristeza.

Recebeu uma chamada a comunicar-lhe que precisavam dele, assim só tinha mais três dias no Porto. Ao mandar a mensagem a Graciete sente uma tristeza que o absorve. A tarde com Graciete marcou-o. Encosta a sua cabeça no sofá de cabedal e eleva o copo com uísque até à sua boca e sente o líquido a queimar todo o seu interior. Abana o copo e vê as pedras de gelo a balançar tocando-se sempre que o líquido permite. Gonçalo relembra a tarde e quando olha novamente para o copo, o gelo desvanecera-se misturando-se com o álcool para não mais voltar. Uma lágrima descontrolada percorre o seu rosto suave e jovem adormecendo com ela como companheira de leito.



Na porta do Museu Soares dos Reis, Gonçalo enquanto espera, verifica-se de 5 em 5 minutos a sua imagem pelos reflexos da porta. A sua apresentação é muito importante para demonstrar a Graciete. Ela chega deslumbrante como no dia anterior, Gonçalo abraça-a fortemente e dá-lhe um beijo suave e carinhoso no rosto. Sem mais demoras, entram no museu.

Antigo Palácio das Carrancas tornou-se no primeiro museu público. Para ela, aquele espaço é especial lembra-lhe a escola que frequentou que contém o mesmo nome " Soares dos Reis" em homenagem ao escultor, a maior parte da sua obra encontra-se neste edifício, obras como a escultura de mármore de "O Desterrado". Como a sua anatomia é perfeita e bela, o mais simples pormenor está representado na perfeição. Exploram todo o recinto, vêm as artes decorativas como a cerâmica de faiança portuguesa do séc. XVII ao séc. XX, a colecção de joalharia, ourivesaria e mobiliário de carácter religioso e civil, assim como colecções de têxteis e vidros.

Gonçalo nunca foi de apreciar arte, mas a companhia de Graciete despertou nele uma sensibilidade para observar com outros olhos a arte. Graciete tinha razão ao enunciar a frase de Marcel Proust a Gonçalo "Somente através da arte nós conseguimos sair de nós mesmos e conhecer a visão do outro sobre o universo."
Desceram a rua e foram até aos jardins do Palácio de Cristal. Ao entrar, Gonçalo pergunta:

- Qual é o motivo para este sítio se chamar Palácio de Cristal?
- Antigamente não era este pavilhão que estava aqui, existia mesmo um palácio todo em cristal, mas foi destruído. E agora construíram este pavilhão, o Pavilhão Rosa Mota, não se compara com a beleza do anterior, mas o termo Palácio de Cristal ainda prevalece ao ser lembrado pelas pessoas que o pronunciam dando vida a este lugar.
- Mas decidiram destruir o verdadeiro Palácio de Cristal, porquê?
- Coisas da vida. -responde Graciete.

Na entrada Graciete explica a Gonçalo que aquelas estátuas que ali se encontram são referentes às estações do ano assim com as fontes. Passam pela avenida das Tílias, pela Biblioteca Municipal Almeida Garret, a concha acústica e por fim pela capela que foi construída a mando de uma princesa em homenagem ao seu irmão rei Carlos Alberto. Graciete retrata tudo por onde passa ao mesmo tempo que dá a conhecer os locais a Gonçalo. Visitam o museu romântico da Quinta da
Macieirinha, uma casa que pertenceu à família burguesa abastada do rei Carlos Alberto, um local de exílio. Mergulhados no tom esverdeado da verdura caminham calmamente pelo jardim de plantas aromáticas, o jardim das medicinais, o jardim do roseiral e o jardim dos sentimentos. Pelo labiríntico jardim eles perdem-se nas curvas sinuosas e desconhecidas dos sentimentos. Graciete repara no estado de Gonçalo, ele caminha lentamente na sua tristeza, tira-lhe uma fotografia e dirige-se a ele.

- Que se passa? -pergunta preocupada.
Gonçalo fecha os olhos à procura de consolo e responde:
- Nada.

Graciete não fica convencida da resposta, mas não insiste, apenas oferece-lhe um ténue sorriso nos lábios.
Passeiam pela avenida dos Castanheiros e pelo bosque e deslumbram-se com toda a panorâmica que têm sobre a cidade do Porto, Gaia e o rio Douro. Vão a um miradouro e tiram algumas fotografias, juntos. Com o passar do tempo os dois vão conhecendo-se.
Graciete ainda quer levar Gonçalo a um dos monumentos que ela mais adora.

Construído por Nicolau Nasoni e de estilo barroco é decorado com esculturas de santos, cornijas, fogaréus e balaustradas e que em tempos serviu de ponto de orientação para os marinheiros que chegavam ao Porto, a tão conhecida Torre dos Clérigos.

- Preparado? Temos 225 degraus para subir, depois visitámos a igreja. -diz Graciete.
- Não há elevador? Era mais fácil.
- Não é tudo à base de ginástica!

Graciete sabe que ao chegar lá cima Gonçalo vai ficar radiante com a beleza da paisagem. Ao chegar ao topo ele fica maravilhado com a vista desordenada da textura das casas. Os 76 metros de altura não lhe fazem impressão. Lá em cima o vento já é forte e frio. Da igreja destaca-se a nave elíptica e o altar-mor de retábulo de mármore policromo onde repousam os restos mortais do arquitecto.

Á saída umas ténues pingas caem do céu, os dois olham-se:

- E que tal se fossemos procurar sítio para jantar? -pergunta Graciete.
- Pode ser no hotel em que estou instalado, a comida lá é divina, além demais sempre temos música e convívio. -responde Gonçalo.
- Claro, porque não? Mas preciso ir a casa.
- Porquê? Estás óptima!
- Obrigada, mas eu preciso mesmo, mas o que preciso mesmo é de uma boa “ducha”.
- Vendo as coisas por esse lado, eu também preciso do mesmo. Bem a que horas e local, posso ir buscar-te?

Graciete escreveu no seu bloco de notas o endereço e combinaram para uma hora depois. Apanharam cada um o seu táxi e partiram em direcções opostas.

O problema de uma saída para uma mulher é sempre o mesmo, como se vestir. Este momento poderá ser especial daí o medo que Graciete sentia.

“Bem vestido preto, azul -marinho ou branco? Mmmmm vá lá Graciete decide está quase na hora. Ai Célia como me fazes falta nestas alturas, fazes sempre, mas principalmente nestas alturas.” Optou pelo vestido branco liso, pelo joelho com um afinado decote em que as alças descaiam ligeiramente sobre os ombros. Não perdeu tempo para arrumar o seu cabelo, gostava do seu ondulado natural e a maquilhagem ficou-se apenas pelo glossy para realçar os seus lábios carnudos. O seu telemóvel toca, é Gonçalo que já a espera. Graciete olha para as horas no visor e sorri, ele é pontual. Sem perder tempo veste o seu casaco preto, pega na mala e desce.

Encostado a um táxi, ele a espera. “Como ele está lindo”. Sapatos elegantes pretos, calças escuras, camisa preta e “blaiser” preto distinto. Uma imagem mais formal do que a da tarde que num todo fazia sobressair a sua pele branca e os olhos claros. Entram no táxi.

- Vê-se bem que não és de cá? -Graciete ri.
- Nota-se assim tanto?
- Sim!
- Bem, não tinha outra opção vinha com o meu carro, mas não conheço as ruas quem melhor que um taxista para dar uma ajudinha?

Pelo retrovisor o taxista olha para Gonçalo e ri com o comentário.

As suaves pingas tornam-se em chuva agressiva, apressam-se até ao hotel.

Quando chegam de táxi à porta do hotel, Graciete nem queria acreditar.

- Tu estás instalado neste hotel?
- Sim, porquê?

Graciete estava diante de um dos maiores hotéis de luxo da cidade do Porto.Gonçalo confuso não sabe se foi uma boa ideia mostrar quem é. Todas as raparigas que conheceu mostravam o gosto na sua carteira e não na sua personalidade, mas Graciete é diferente e o seu sentimento por ela também o é.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Prefácio

Agora Graciete sente que o regresso para Portugal valeu mesmo apena.
Voltar para ser feliz e ficar com o seu grande amor Valter, não podia ser melhor. O pensamento que lhes corria no momento era que voltavam a repetir tudo outra vez. Quanto mais não fosse só para voltarem a sentir a exaustão do momento, que em tempos não tinham acabado.
Entrelaçados um no outro, sob os lençóis suaves, Valter e Graciete acalmam a respiração e percebem que o destino estava traçado.
O amor deles falou mais alto, ultrapassando desvios...

Capítulo 1

O aeroporto Sá Carneiro é um vaivém desenfreado cheio de pessoas que partem e que voltam, um local de despedidas e de reencontros. Vislumbram-se choros incontrolados por parte de quem não aguenta um encontro ou uma despedida.
Desta corrida alucinante um dos muitos aviões aterra para dar alegria a quem tanto o esperou. Uma jovem rapariga ultrapassa a porta de saída do aparelho e entra em contacto com o frio invernal, respira fundo e recebe tranquilamente estas boas vindas do seu país.
Desloca-se e caminha calmamente nas escadas de desembarque não passando despercebida aos múltiplos olhares que a rodeiam. Ao contrário de muitas pessoas esta jovem está só, tinha tomado essa decisão antes do embarque, ainda em França.
Depois de todas as formalidades no interior do edifício abandona-o sorridente. Despreocupada entra num táxi e pede que a levem para a cidade invicta, o Porto.

No sabor da velocidade do veículo Graciete contempla pela janela o céu cinzento e sente o seu abraço frio que contraria o seu íntimo, ela está feliz.
Ao entrar na grande cidade uma onda de saudade inunda-a, está tudo tão diferente as ruas mudaram, novos edifícios foram construídos, no entanto, o calor das pessoas portuenses continua.
Não vê a hora de chegar a casa, está exausta e precisa de descansar para o dia seguinte.

Chega à rua onde a viu crescer, entrar na rua do Heroísmo é como entrar em casa.
Num pequeno gesto, Graciete inspira e roda as chaves. Ao "clic" abre a porta e entra. Um cheiro a mofo paira pelo ar, tudo permanece no sítio desde a última vez que lá esteve, mas uma camada de pó ofusca o brilho de tudo.
Pousa as malas no chão, distingue o sofá coberto pelo lençol, e num impulso senta-se nele, ao mesmo tempo, levantam-se pequenas substâncias poeirentas reluzentes à luz solar que entram pelas brechas da persiana corrida.
Apesar do cansaço Graciete vai buscar forças à sua felicidade e destapa todos os móveis e limpa, sem perder muito tempo, a casa. A noite será de descanso.

Acorda de manhã cedo cheia de energia, afinal ela tinha vindo para a terra a trabalho. Faz um café, abre a janela e fica a observar. A brisa fresca da manhã bate suavemente na sua cara, o sol está esplendoroso.
Olha para a rua e vê crianças ainda sonolentas de mochilas às costas e os pais atarantados cheios de pressa. A carrinha do Pão - Quente chega e o trânsito já se forma. Na esquina encontra-se o que tanto a delirava ainda em criança, o Museu Militar. No terraço ainda se encontram os tanques de guerra e os canhões.
Graciete não pode deixar escapar aquela beleza da manhã, pega na sua máquina fotográfica e tira a primeira fotografia desde que chegou.

Arranja-se, prepara o seu material e parte para os últimos preparativos para iniciar o seu trabalho.

Pela rua, tem na sua cara estampado um sorriso, observa as casas e prédios, o tempo passou e como marca disso, é visível o desmoronar de muitos edifícios. Chega à rua que já era página da sua vida, a Rua Firmeza.
A cada passo que dá sente a dor de barriga que causa mau estar, como se fosse o seu primeiro dia de aulas. Recorda aqueles dois passeios cheios de grupos formados por alunos, todo um borborim que enche a rua. Mas desta vez algo está diferente, um vazio, um frio se sente.

Fica parada a olhar para um edifício vazio e triste. Os portões estão fechados e a tinta a sair, as janelas ainda deixam transparecer a desordem causada pela mudança, as ervas daninhas invadem o seu interior despreocupadas, pois ninguém as controla mais. Graciete não acredita e dos seus olhos transparece a infelicidade.

Num impulso espontâneo agarra-se aos portões e abana-o com esperança que este se abra. Os portões abrem-se. Instintivamente recordações passadas naquele velho edifício vêm-lhe à memória e numa corrida contra o tempo vive esses momentos.

Entra, sente-se solitária tal como na primeira vez que entrou. Olha para as marcas que em tempos fizeram-na sentir segura da sua escolha. As letras de ferro cravadas na fachada que diziam "Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis".

Pela segunda vez fica com medo, um medo diferente, não por aqueles que frequentavam a escola, mas por ausência deles. Os bancos desconfortáveis ainda ali estão. Está frustrada, nem sequer teve a oportunidade de se despedir e agora irá fazê-lo indefesa de emoções.

Ainda na entrada, inspira, recorda o cheiro doce e gostoso vindo do bar. Incontrolável, deixa-se ir como se fosse atrás do mais apetitoso bolo. Lembra-se da fila longa que se fazia até chegar à simpatia das funcionárias. Passa a mão pelo balcão gasto onde muitos ficavam à espera de serem servidos. Do espaço vazio revive as mesas e cadeiras onde teve inúmeras conversas ao som mudo da televisão ligada na RTP1. Era uma mistura de sons entre os alunos, a louça e o roncar frenético da máquina do café. A parede que expunha os trabalhos dos alunos estava nua. Nada estava lá.

Sai e dirige-se para o corredor central e fica parada a olhar para o seu vazio. Olha para a sua esquerda e encontra as escadas que tantas vezes subiu. Não resiste e sobe-as novamente, passa a sua mão no corrimão gasto e cheio de pó, mas não se importa e recebe o seu contacto com carinho. Ao chegar ao cimo das escadas dá de caras com a porta da sala mais silenciosa de toda a escola onde as letras se tornam sábias, a Biblioteca.
Entra e viu-se com 15 anos a entrar pela primeira vez naquele espaço a preencher o nome no livro, dirigir-se a uma das muitas estantes, a pegar num livro e sentar-se a ler. Não só lia como também ia fazer trabalhos de pesquisa nos poucos computadores disponíveis sozinha ou em grupo que por uns momentos aquele espaço tornava-se numa autêntica assembleia em que cada um defendia a sua ideia, mas quando os ânimos se exaltavam de mais ouvia-se um “chiu” produzido pela funcionária atenta. Por vezes, ia lá simplesmente ver um filme nos seus tempos livres.
Foram actos que repetiu vezes sem conta e agora fazia-o novamente, mas em pensamento.

Não aguenta todas estas emoções e sai daquele espaço e agarra-se ao corrimão da escada procurando consolo.
O ténue sol entra pelas janelas iluminando todo aquele espaço.
As escadas continuam até ao último piso. Não as sobe, não quer subir mais no seu sofrimento prefere continuar o caminho no piso em que se encontra, pois os momentos mais importantes encontram-se nesse andar.
Desloca-se calmamente com o coração aos pulos, está muito perto da sala onde teve a melhor aula de desenho nos 3 anos que lá andou.
Uma turma nova, olhares sorrateiros de uns para os outros e uma professora com uma personalidade muito forte.

Como primeira aula o ambiente devia ser descontraído e melhor do que começar a manhã a ouvir música clássica.
Uma longa folha de papel de cenário cobriu o chão e nela todos os alunos escolheram o seu espaço depositando o contorno do seu corpo.

Graciete na sala vazia sentou-se no chão da mesma forma como uns anos antes. Fecha os olhos e recorda-se da música clássica, lentamente com o indicador toca no chão e num impulso faz o seu contorno novamente ao som da música, mas num chão empoeirado para depois ser apagado pelo tempo. A música acaba, juntamente com a união dos traços e sem olhar para trás abandona o seu vazio, o seu silêncio.

O corredor estende-se aos seus pés e imploram pela sua passagem, as portas se abrem para mostrar as suas recordações. Graciete entra na sala 4 onde viveu os momentos mais engraçados, mas também os mais sérios. Sorri pela primeira vez e com alegria espreita o seu conteúdo.

Recorda o olhar intenso e culto que esconde nas suas profundezas o mais profundo do seu ser tão negro como a roupa que trás vestido. Para contrariar o seu rosto expande o seu espírito jovem com um sorriso matreiro, mas é no fundo o que o torna tão querido e o que fascina as jovens alunas. Esta é a primeira impressão que recorda do seu professor.

Sentada no corredor esperava pelo professor que normalmente chegava dez minutos após o toque de entrada. Este encontrava-se normalmente num estado mil vezes pior que o dos alunos e para começar a aula dizia sempre uma dose de disparates que na realidade até eram verdadeiros e tinham a sua moral. Passado meia hora deste serão, lá começava ele a dar a matéria.

Foi ali naquela sala no seu último ano lectivo e no último dia de aulas que ela e a amiga fizeram a maior loucura durante os 3 anos naquela escola. Escreveram um texto surreal ao som das palavras do professor. Viu-se a ela e à amiga a rir-se tentando ambas suster o riso a custo enquanto a turma e o professor olhavam para ambas sem conseguirem perceber o que originou aquele riso. E elas ao verem as caras sérias de todos ainda se riam mais.

Graciete riu-se mais uma vez e dialogou o texto:
“Isto é surreal!
Isto é uma tolice, grande seca, parece que
estamos na seca da aula do fundo
seca, pois tirando os olhares constantes para
algo negro nos rodeia e ficámos mais distantes.
rodeia, beleza pura riso com riso de criança mas com
corpo cheio de sangue encontrei na floresta numa noite de luar.
Noite, boa conselheira ela é, com sonhos belos e
proibidos, estávamos de entrar no sótão, pois lá guardava um segredo.
Segredo, bem fechado é amor guardado. Que loucura de
olhar radiante cheio de luz que nos penetra no interior.
Penetra, loucamente atingindo até ao limite do
prazer tive naquela noite, onde nós os dois podemos sentir a dor.
Dor, se for com jeitinho pode ser que não só depende
do entusiasmo conseguimos a obra de arte.
Arte, tudo é arte até a junção de dois corpos a
envolver-se na solidão do meu quarto onde elevei os meus pensamentos.
Quarto, decorado com bonequinhos é o que tá a dar
hoje, acordei bem-disposta!”
Coisas da juventude.

No fim, ainda tem tempo de recordar um dos muitos momentos divertidos do seu professor. O dia em que ele recorda de quando era pequeno pegar na raquete de ténis e fingir ser guitarrista. Solta um sorriso enorme, lembra-se perfeitamente da expressão dele, fecha a porta já sugada pela saudade.
A próxima sala foi onde se refugiou no trabalho. Não se sentindo muito à vontade para conversar dedicava-se ao máximo nos seus afazeres. Afinal, o computador sempre foi o seu grande vício e aprender novos meios de comunicação sempre a cativou.
Graciete continua, não está satisfeita. Quer ver os cantos mais significativos pela última vez.

Os seus passos entoam no corredor vazio, decide continuar a caminhada descendo as escadas.
Quando alcança a porta do lado esquerdo dá de caras com a entrada para a sala de têxteis e observa os teares parados a cozerem o tempo que os abandonou.
Por ali passou pouco tempo, apenas se lembra dos movimentos básicos de entrelaçar a linha que uma jovem e simpática professora lhe ensinou. Mas sabe o quão cansativo é trabalhar nos teares e quão divertido é escolher a combinação de cores perfeita no meio de dezenas de novelos de lã.
Ao lado encontra-se mais duas salas, numa delas teve a sua primeira aula de desenho.
Parece que foi ontem, Graciete volta a sentir o medo que tinha perante a professora. A sua pose fazia dela uma pessoa autoritária, mas quando começava a falar da beleza da Arte e como as coisas simples podem ser belas, fazia dela a pessoa mais fascinante que Graciete conheceu.
Desvia o seu olhar e continua o caminho pelo longo corredor. Quer alcançar a sala que lhe abraçou e que lhe concedeu o gosto pela fotografia.

Pelo caminho olha para o lado de fora das janelas, lembra-se de todo aquele espaço aberto preenchido de alunos.

Entretanto, passa pela sala de vídeo. Aqui foram feitos grandes filmes e talvez cineastas, também ela teve a oportunidade de gravar uma fita de vídeo e gritar "Acção!".

Ainda no corredor, Graciete pára nas últimas janelas. Foi ali que fez a sua primeira fotografia Pinhol. Está a uns passos de voltar a entrar no local onde passou mais horas e onde dedicou o melhor de si.
Ao contrário do que sempre ocorria a porta está encostada sem o trinque que impedia de ser aberta. Empurra-a e com este seu esforço apercebe-se que com o passar do tempo o seu ranger tornou-se mais forte, ao mesmo tempo que a ultrapassa pergunta-se como é que todas as portas podem estar abertas.

Sente a falta dos estranhos objectos, do qual passou muito tempo a olhar para o seu encanto que a fascinava pelos seus longos anos.
Dirige-se ao estúdio de fotografia e num "flash" recorda as suas primeiras e poucas experiências fotográficas sempre em fundo preto e com os poucos focos de luz que funcionavam. O espaço é dividido apenas por uma cortina que divide o estúdio de uma pequena sala, apenas com uma mesa onde aprendeu os conceitos básicos da fotografia, com um professor capaz de responder aos alunos com o seu olhar. Estava sempre bem-disposto e com cara de brincalhão, mas era com este ar que ele conseguia aprisionar atenção dos alunos.

Olha para o estreito corredor e encontra a banca onde se fazia a revelação dos filmes fotográficos. Preparavam-se as tinas, os recipientes, os químicos, a agitação, dava-se os tempos passava-se por água e no fim punha-se os filmes a secar no estendal. Era um processo lento e paciente. Este desenrolar tinha como paisagem um edifício abandonado do outro lado da rua.

Graciete chega à banca e abre a torneira, não com o intuito de ver a água a correr, mas para sentir o que temia:
- Não acredito! -disse num sorriso. Com este seu gesto o manípulo fica preso na sua mão tal como aconteceu no seu tempo.
Corre a porta que dá para o corredor dos laboratórios, entra e fecha-a, liga as luzes vermelhas e fica impressionada, ainda existe vida no edifício por muito frágil que seja. Está diante de quatro laboratórios, mas apenas dirige-se para o que é mais significativo para si.

Abre uma das portas do laboratório e ao fazê-lo sente um cheiro ácido e intenso. Vê as bancas de metal que contém alguma ferrugem. Liga a luz e assim fica encostada à porta observando em lembranças o dia mais feliz.

Só à luz vermelha se fazia as fotografias, mas naquele dia Graciete ia fazer uma diferente, uma especial.

Fez a ampliação no projector, queimou o papel, de seguida mergulhou-o no revelador e a magia aconteceu. Os traços formaram-se, podia ver a pormenor cada parte do rosto do seu amor.

Com a pinça passou pela água e por fim pelo fixador e fixou-se a olhar para a fotografia.

Sem dar conta o amor de Graciete encostou-se a ela. Agarrou-se à sua cintura com medo de a perder, beijou-lhe o pescoço num beijo doce. Sentiu o seu cheiro misturado com os químicos, um arrepio percorreu-a, aquele momento podia ser um sonho. Ela voltou-se para ele, olhou-o nos olhos, passou os seus dedos pela sua boca e sentiu o desejo. O beijo que ela tanto desejou deu-se. As bocas unidas sentiam algo especial. As línguas aproximaram-se, queriam sentir o prazer da sensibilidade. Como foi aquele momento longo e duradouro. Sem ar terminaram, porque faltou-lhes, mas nada acabou. Indecisos, trocaram pequenos beijos rapioqueiros. Com determinação ele pegou nela, afastou o conteúdo da mesa e sentou-a. Todo o ambiente era propício a luz, o calor e a louca vontade.

Graciete conseguiu voltar a sentir as mãos dele que lhe moldaram todo o seu corpo e ela ardentemente o beijava. Estavam doidos, sem consciência de que não seria o local certo. Mas mesmo assim continuaram e na loucura o desapertar da blusa dela, até ao momento que ouviram um barulho.
O mesmo barulho que fez Graciete voltar à realidade. Sobressaltada sai dali com a mesma rapidez que ela e o seu amor se arranjaram com medo de serem descobertos.

Foge na direcção da sala onde era dada a teoria de fotografia, mas a correria termina quando esbarra contra o primitivo ampliador.
Entra no pequeno espaço para se refugiar do que a afugenta. Ao contrário da anterior esta não continha apenas uma mesa, por sua vez, esta encontra-se ampla, com as mesas sujas e os estores fechados. Sente-se mal e sai.

De volta aos corredores em que o tempo cessou vê armários partidos, lixo pelo chão vestígios de um ciclone provocado pela mão humana.

Numa das salas por onde passa ainda tem mesas com aspecto novo, mas pelo chão encontram-se folhas perdidas em que os alunos depositaram nos seus traçados um pouco da sua alma. No quadro está escrito "Adeus escola" estas são as últimas palavras deixadas por alguém que partilha do mesmo sentimento que ela.

Encosta-se a uma das paredes do corredor e lentamente desliza o seu corpo para o chão. Sentada absorve o cheiro a mofo, vê as árvores a perder as suas folhas pelo vento que as arranca.

Recorda o seu mau humor quando fazia aquele trajecto para o piso superior na direcção de mais uma aula de moral e não de desenho como constava no horário escolar. Eram abordados todo o tipo de assuntos desde a revolução de estudantes de Maio de 86 na França, da indecência do estatuto do aluno, na injustiça de ter que trabalhar até aos 65 anos, na reforma antecipada, estar 90 minutos a falar de assuntos da direcção de turma e principalmente num assunto que levantou vários dias de discussão por causa da colher de pau. Tudo tinha interesse, tudo menos o que realmente interessava desenvolver as técnicas do desenho.
Também foi nessa sala que teve as piores aulas de português. A professora era incrível falava num tom arrastado e lento fazia imensas pausas e quando recomeçava já não se lembrava do que tinha dito anteriormente, os alunos eram a sua memória. Para além disso, tão depressa estava a falar de uma coisa como a seguir de outra. O primeiro teste do ano que essa professora lhe entregou o que teve de estranho teve de cómico. O texto que ela e os seus colegas de turma tinham que analisar era em brasileiro, tudo indicava que a aula era de português, mas naquele dia o português abrasileirado foi a excepção.

Desperta, da recordação recente, uma vez mais dá início à caminhada.

Desce as escadas que dá para as oficinas e a cada degrau que deixa para trás deixa também a sua marca. De portas abertas está a oficina de madeiras. Ainda dá para sentir o cheiro da madeira misturado com o verniz e o diluente. O som da serra cessou com o desligar de um simples botão.

Ao lado encontra-se a oficina de serigrafia. Os cheiros ácidos das tintas ainda se sente, nas paredes ainda é visível os salpicos de tinta, mas as grandes máquinas desapareceram, apenas resta a desordem.

No corredor encontram-se os cacifos, abertos ou estroncados, mas cada um personalizado pelo seu dono. A arte de marcar território continua.

Na oficina de metais um tom escuro preenche todo o espaço. As grandes máquinas foram arrancadas e no chão apenas resta os buracos que as prendiam e por companhia folhas e mais folhas forravam-no. Os estores estão completamente destruídos e as mesas tiveram outro destino. Graciete com ar assustador pronuncia a frase mais comum: - Meu Deus!

Por fim, entra na última oficina, a de cerâmica. Ao olhar para os cabides relembra as batas sujas amontoadas umas em cima das outras, agora só resta o seu local.
Entra num espaço desocupado e repara nas prateleiras altas que ainda continha algumas peças. Graciete observa:
- Não, não pode ser! -diz ela depois de ter reparado na peça que fez. Pega numa cadeira que estava a um canto, sobe-a e retira a sua jarra de barro no meio de uma repugnante camada de pó e de teias de aranha. Sacode e relembra os dias em que criou aquela peça.

Criou-a no papel, fez a maqueta e depois começou a dar forma no barro. Sentir aquela pasta nas mãos deu-lhe um poder incrível, tudo podia ser feito. Graciete contente pelo seu achado imprevisto abandona mais um espaço com o seu pertence.

Pelo corredor desvia-se de todas as mágoas e problemas que muitos deixaram para trás. Nas escadas que sobe encontra algumas esculturas partidas deixadas em caixotes.

Já no corredor principal olha-o em toda a sua extensão, as vitrinas deixaram o seu espaço e apenas ficou os caixotes de lixo. Da pequena sala de professores resta apenas os cadeirões cobertos de pó, tal como as estantes.

Á frente encontra-se a sala mais desconfortável, onde bancos e mesas estão riscados e partidos, a sala do anfiteatro. Graciete ainda se lembra da aula de imagem e som em que todos tiveram de limpar a sala devido ao seu estado caótico de lixo. Hoje não se encontrava muito diferente.

Por infelicidade, também ali teve aulas de História, o lado bom é que as aulas compensavam o mal-estar, excluindo um dia da semana que toda a turma estava sempre de rastos pelo excesso das aulas mais cansativas acumuladas, assim como a perspicácia da sua professora.

No silêncio de todo o ambiente fantasmagórico, Graciete continua.
A sala 1 está vazia com excepção de uma placa de homenagem. Nos laboratórios de físico-química apenas as bancas restam suportando o peso de caixotes, garrafas e frascos de vidro.

Graciete avança em direcção ao recreio, passa pela papelaria e reprografia, as suas portas estão fechadas.

A passagem pelo recreio é temporária. Apenas para observar os grafites que ainda marcam a presença da arte, o painel em relevo que mostra a paisagem do Porto e a lembrança do convívio que ali se fazia sentir assim como os vícios artísticos e de dependência. Resta apenas o ginásio onde a solidão é maior, nem as lembranças das festas e das suas aulas de educação física conseguem preencher este sentimento. Ao sair do pavilhão para o exterior ouve:
- É triste ver este espaço assim neste estado.

Encostado à árvore, um sujeito vestido de preto pronuncia estas palavras.
- Mas...
- Como foi que entrei?
- Sim.
- Da mesma forma que tu! Quando entraste na escola já me encontrava aqui dentro, mas como ias tão concentrada nos teus pensamentos não me viste.
- Então aquele barulho...
- Sim! Foi provocado por mim, mas sem querer! -disse o estranho a sorrir - Sabes, não podes estar aqui! Este espaço está fechado ao público.
- A sério? Então porquê que estás aqui?
- Porque não sou qualquer um, também não tenho que te dizer ao que vim, mas se os portões estão abertos é porque posso entrar, porque fui eu que os abri!
- Então porquê que me deixaste entrar?
- Porque frequentaste esta escola.
- E como sabes? Podia ter curiosidade e entrar! -responde Graciete
- Não estavas com cara disso! Mas sim com saudade, vi pela forma como te agarraste ao portão! E pela jarra de barro que tens na mão. - Sim, realmente frequentei esta escola à alguns anos atrás! Não o incomodo mais e peço imensa desculpa por ter entrado sem autorização
- Por esta passa, estás desculpada! -diz o desconhecido a sorrir.
- Boa tarde! -diz Graciete
- Boa tarde!

Graciete sai do recinto escolar. Encosta-se ao portão e agarra-se a ele, não consegue conter-se e chora. Decidida volta as costas ao grande e centenário edifício.
O desconhecido observa toda a cena e também ele olha com tristeza. Agarra no portão e sente as lágrimas lá deixadas ao mesmo tempo que o tranca. Entra no carro e arranca sem olhar para trás.

Na rua, a jovem pensa sobre tudo, nada fazia sentido, mas ao mesmo tempo tudo batia certo.

Já em casa ela pega no álbum de fotografias que tirou no tempo de escola e revive novamente os velhos tempos.

No início da tarde, Graciete marca os números e espera que alguém atenda. Uma voz feminina faz-se ouvir:
- Escola Secundária Artística Soares dos Reis, boa tarde.
- Boa tarde! Gostaria de falar com um funcionário ligado à secretaria, se possível!
- Sim! Vou estabelecer a ligação, aguarde um momento!
Graciete aguarda e ao fim de alguns minutos ouve-se:
- Boa tarde, em que posso ser útil?
- Boa tarde, daqui fala Graciete Avelar.
Fui convidada pela escola a fim de ser professora de fotografia no vosso estabelecimento.
- Aguarde um momento para ver no sistema a sua situação e para puder dar as informações necessárias.
- Sim! Com certeza.
- Pode dizer novamente o seu nome? -pergunta a funcionária.
- Graciete Avelar.
- De facto foi convocada pela escola para substituir um professor, mas ainda falta uns últimos acertos a nível do contrato, do horário bem como do salário.
- Sim é verdade! Hoje encaminhei-me para as vossas instalações, mas dirigi-me à escola Soares dos Reis na rua Firmeza e aí fui informada que mudaram recentemente e como não contenho a morada exacta não sei como devo dirigir-me.
- O novo estabelecimento encontra-se na Rua Major David Magno… pode passar por aqui amanhã de manhã pelas 10 horas!
- Com certeza! Continuação de uma boa tarde!
- Obrigada e boa tarde! -finaliza a funcionária.

No fim da chamada, Graciete sai para ir às compras, nada melhor que ir ao comércio da Baixa. Com ela leva a sua eterna companheira, a máquina fotográfica.
De caminho directo ao Mercado do Bolhão Graciete passa pelo romântico Jardim de São Lázaro e pelo antigo convento de Santo António da Cidade, agora transformado na Biblioteca Municipal do Porto. Como não pode deixar escapar, fotografa o maravilhoso jardim e a famosa fachada barroca da Biblioteca.

Aproveita a passagem e vê os cartazes de espectáculos no Coliseu do Porto, pode ser que mais tarde passe por lá para assistir.
De repente, Graciete entra na rua Santa Catarina no meio da multidão e com uma fotografia regista este momento social. Na esquina entre a rua do Coliseu e Santa Catarina encontra-se o já ex-líbris, Café Majestic. Ninguém fica indiferente à sua fachada imponente de mármore, decorada com motivos vegetalistas. É considerado um local para pessoas de alta classe, pois o seu luxo interior convida as várias personalidades do mundo artístico e cultural que por ali passam.

Seguem-se as lojas que já são história daquela rua. A primeira é a da Zara é uma marca característica de Espanha, mas ainda se mantém, assim como no Via Catarina onde passou muito tempo.
Mas Graciete não quer ver montras precisa de encher a sua despensa com alimentos frescos.

Na esquina da rua do Bolhão, os mais de 10 mil belos azulejos azuis e brancos da Capela das Almas estão mais bonitos, depois da restauração. Por trás da capela Graciete repara num espaço novo, apercebe-se que ali nasceu mais um centro comercial.

Já à porta do mercado do Bolhão Graciete começa a sentir o cheiro dos legumes frescos. Entra e vai até à varanda, fica a observar a arquitectura neoclássica daquele mercado tão especial que hoje se encontra um pouco degradante. Debruça-se por instantes e ouve alguns pregões.
- Quem quer pencas ó trinchudas! Merca, nabiças ó alhos!
- Faneca da boa!
- Faneca da linha!
- Amoladores de tisoiras ó nabalhas! Compor loiça ó garda-sóis! Louça fina p’ra compor! Deita gatos!

Não há dúvida, aquele mercado tem um espírito próprio. Ainda no piso superior, Graciete procura pela senhora onde a sua mãe ia sempre. Foi ao local e como era de esperar a senhora ainda lá se encontrava.
- Olá senhora Maria ainda por aqui?
- Olha quem ela é! Menina Graciete como tás crescida e bonita! É, ainda por aqui. Tem que ser.
- A senhora ainda me conhece? -pergunta a jovem.
- Atõn nõn? És a cara da tua mãe chapada. Como está a Amélia? Desde que foi para França que não sei nada dela.
- Está boa e com muitas saudades do Porto e do seu Bolhão -diz isto a sorrir – Está sempre a dizer que os legumes não tem o mesmo sabor como os daqui.
- Os nossos legumezinhos sõn muito bons e tenrinhos!
- E como andam as coisas?
- Olha minha menina, tá tudo muito fraco! Esta crise tá a pore toda a gente maluca! Este Sócratas cada vez mete mais o país na desgraça é o que é minha filha. Quem paga as fabas é aqui o pobo. A gente mais pobre é que sofre.
- Mas está mal em todo o lado!
- Pois tá minha menina, mas Portugal cada vez tá piore! É só desgraças, olha eu cada bez bendo menus e pago mais. Olha- me só para estas obras, parece as obras de santa Engrácia! Tira logo muita clientela. Nõn tenho lucro nenhum, mas se deixo de trabalhar como é que bou biber? Tou a trabalhar para pagar as contas! É só para isso que trabalho!
- Pois é muito complicado realmente!
- E a menina? Tá por aqui a férias?
- Não, vim a trabalho! Vou dar aulas!
- Isso é que é preciso! Quem tem trabalho hoje que dei-a graças a Deus! Mas isso é muito bõm! Uma menina tão nobinha e já doutora!
- Doutora não, só professora! -diz a sorrir.
- A menina vai querer alguma coisa?
- Sim! Uns legumes!
Graciete escolhe os produtos que tem em mente e mais alguns que não consegue resistir.
- Bem até uma próxima! -despede-se Graciete.
- Até uma próxima minha menina! Mande um beijinho à sua mãe.

Desce as escadas para o andar debaixo, compra alguma carne e algum peixe fresco. Para colorir um pouco o seu astral, vai pelo corredor central e compra as mais lindas e frescas flores.

Já de mãos cheias de saco, Graciete mete-se a caminho de casa. O resto do dia é para fazer uma limpeza geral no seu lar.

O cheiro a mofo ainda paira pelo ar e Graciete quer sentir a casa perfumada e limpa.
Abre as janelas para deixar entrar o suave calor do sol, todas as divisões da casa ficam iluminadas. Tira tudo de cima dos móveis e limpa o pó, que durante anos se acumulou, procura o antigo aspirador, e por incrível que pareça ainda funciona, e suga tudo o que lhe aparece à frente. Os vidros são limpos, os tacos encerados, a casa de banho lavada, tudo ao som de Alice Cooper, R.E.M, Pink Floyd, Village People e Radiohead.

Exausta senta-se no sofá e descansa. A noite cai. Graciete prepara um jantar leve e entrega-se ao sono.