terça-feira, 19 de outubro de 2010

Capítulo 6

Hoje, Graciete quer andar em algo que já não andava há muitos anos. Em pequena adorava passear nele, pois o seu som que deixava sempre em alerta era único.

Foi até à zona do Infante e em pouco tempo começa a ouvir o inconfundível trabalhar do Carro Eléctrico.

Sentiu-se uma criancinha toda contente como se fosse a primeira vez que ia andar.

Entra e senta-se num dos bancos com paisagem para o Rio Douro.

Está encantada, por ali pode ver todo o cais de Gaia.

A sua paragem é em Massarelos, vai visitar o museu do carro eléctrico, coisa que antes nunca tinha feito.


Já depois do almoço Graciete vai até ao Centro Português de Fotografia. Antes de ir para França sempre que tinha oportunidade vinha até aqui ver as exposições ou simplesmente perder-se em livros de fotógrafos na biblioteca.

Inicialmente, este edifício teve como origem a tão conhecida Cadeia da Relação. No exterior, o famoso gradeamento nas janelas marca essa época assim como o brasão imponente de um dos lados.

Hoje, Graciete repara naquele Brasão com outros olhos, era magnífico o seu trabalhado, e regista-o com sua máquina.

O Centro Português de Fotografia conservou alguns dos espaços da antiga cadeia da relação, dando a conhecer ao público a sua história e também o seu funcionamento.

Apesar de Graciete ter visto, dezenas de vezes todo o seu percurso não se cansava de repetir e vai mais uma vez revisitar.

Graciete passa pelas enxovias que tinham nomes de Santos, pelas celas dos homens e das mulheres diferenciadas pelo chão de madeira, a sala do tribunal e a capela onde os presos ouviam a missa das celas. Graciete passa pela cela de um dos seus ídolos, Camilo Castelo Branco.

Pelo que consta, ali escreveu o livro "Memórias do Cárcere" e conheceu o delinquente Zé do Telhado. Nesta cela encontrava-se algumas das câmaras fotográficas da colecção de António Pedro Vicente, uma delas tinha sido utilizada por Tavares da Fonseca.

Existe uma sala com câmaras de 35mm entre elas as máquinas Leicas, outra sala especialmente predominada pela Kodak, mais exemplares de "jumelles" mostrando alguma história da Polaroid. Para além de tudo isto tem a possibilidade de ver algum equipamento de laboratório, alguns flashes e algumas fotografias.

No fim, Graciete vai até à biblioteca revê alguns livros e apura mais o seu conhecimento na fotografia.

O final de tarde já se aproximava, mas Graciete ainda dá um pulo por aquele edifico que hoje está diferente exteriormente.

Sem saber muito bem, se ainda tem a mesma função e se permitiam a sua entrada, entra no Clube Fenianos Portuenses.

O regime de entrada continua na mesma, ao fundo, na parede ainda está o enorme espelho dourado, ao canto a estátua que em tempos lhe metia medo e à sua frente a secretária com o porteiro.

- Olá, boa tarde!

- Boa tarde, olha quem é ela! -disse o porteiro.

- Pois, já algum tempo que por aqui não passava.

- Alguns anos!

- Cheguei alguns dias de França, e hoje aproveitei para vir aqui ver o ambiente!

- Fez muito bem!

- Ainda se lembra do meu nome?

- É claro!

O ritual ainda se mantém, enquanto o porteiro escrevia o nome de Graciete no livro ela espera pelo elevador.

Sobe até ao primeiro piso, abre a porta e vê o tão característico chão de madeira, de riscas claras e escuras, ainda estava, naquele que é o local de passagem, os sofás vermelhos e numa das paredes o espelho gigante. As portas que dão para o Salão Nobre estão aparentemente fechadas, mas Graciete ao ver se estão mesmo, consegue abri-las. Ao abrir é invadida pela felicidade. Está tudo igual, o palco recorda-lhe as grandes festas que passou ali, noites de Ilusionismo, festas de comemorações de dias especiais, noites de fados entre outros que faziam encher todo aquele amplo espaço.

Os famosos candeeiros dourados que imitavam as velas são o mais característico deste salão.

Como fica feliz ao ver aquele Salão.

Fecha a porta e desloca-se pelo corredor principal sob a passadeira vermelha. Passa pela sala de leitura, agora sala de internet, pela sala de tv onde passou algum tempo e pelo café. Este tem um ambiente calmo, óptimo para relaxar ou até mesmo para descontrair no bilhar, num espaço escuro.

O fim do corredor dá para o bar. Ainda se lembra de entrar e existir uma nuvem de fumo de tabaco, agora nem o cheiro existe.

Graciete dirige-se ao balcão para ver se tem o bolo que tanto gostava em criança, infelizmente já não havia.

Continua pelo bar fora e vai dar ao Salão Flamingo de tom rosa, aqui também se realiza algumas festas de menores portes.

No corredor para o Salão, encontra a entrada para a Biblioteca, hoje literalmente fechada. Só lá entrou uma vez, mas sabia muito bem o que lá existe, estantes enormes cheias de livros. Obras completas de Voltaire, José Régio, Fernando Pessoa, Eça Queirós... "A arte e a Natureza em Portugal" de 1902, "Camões e artes plásticas", entre outros.

Graciete muito sorrateiramente sobe até ao 2º piso. Não é um piso muito visitável, mas lá também existe um salão. Neste são realizadas algumas peças de teatro e exposições, hoje quase raras.

Existe mais cantos, mas Graciete conhece um que daria um museu. Hoje não sabe se existe, mas ela já viu as vestes dos grandes Cortejos de Carnaval que paravam a cidade do Porto.

Ao recordar Graciete questiona-se:

Porquê acabaram com esse cortejo?

Desce, as escadas do 1º piso ao rés-do-chão eram algo que tanto tem de fascinante como de perigoso.

Com os anos os degraus ficaram gastos e inclinados, agarra-se ao corrimão e desce a passadeira vermelha. Despede-se do porteiro e vai-se embora com uma melancolia.

Algumas coisas tinham mudado, mas Graciete sente que o verdadeiro espírito festivo e divertido tinha desaparecido.

Sente que aos poucos aquele Clube está a morrer.

Vai para casa e espera a chegada de Célia.

Toda compulsiva e energética Célia chega a casa de Graciete com a pica toda de ir para a noite.

- Anda lá, arranja-te! Vamos dar uma volta!

- Estás tola! Não me apetece sair.

- O quê? Nem penses! Antes íamos sempre e além demais já não saio à muito. Estou a ver que os ares franceses te fizeram mal, carago!

A verdade é que Graciete sentiu saudade desse tempo e com a insistência da amiga não perde a oportunidade.

Vão até a um bar do Porto. Ao som do ritmo de "Whigfield" as duas dançam no centro da pista de dança.

Mas Graciete já não está habituada a estas andanças e um tempo depois as duas param para tomar uma bebida. Enquanto estão ao balcão a tomar o seu copo, dois rapazes bem estruturados aproximam-se delas para meter conversa. As duas não têm quaisquer tipos de problemas, mas Célia já consumada pela poção deixa-se levar e volta à pista de dança onde arrasa com toda a sua expressão corporal.

A conversa de Graciete com o tal rapaz que nem lhe percebeu o nome, por causa dos decibéis a mais, está a ser ao que se chama uma grande seca. Ela não está a acha-lo nada interessante. Observa Célia e o seu estranho parceiro de dança a roçarem-se um no outro, o ambiente quente, o calor que se sentia e a maneira sensual de se tocarem, fez lembrar-lhe aquela noite que teve dias antes.

Graciete começa a achar que vai sair dali sozinha da maneira que as coisas vão... além do mais à sua volta está completamente rodeada de bêbados que caem pelos cantos.

A verdade é que elas saem dali e ainda vão espreitar outros bares, o cenário é sempre o mesmo.

Já de madrugada regressam a casa, a noite de breu com a lua de companheira estava igual a muitas outras noites que passaram juntas. Mas com os anos as coisas tinham mudado.

Pelas ruas vêm sem-abrigos, drogados e pior que tudo assistem a um assalto a uma tabacaria. Estão chocadas, assustadas com toda aquela violência visual e a passo ligeiro chegam a casa de Graciete em silêncio.

- Tu viste bem aquilo?

- Esta é a realidade que sempre existiu, mas agora mais que nunca acentuada. O melhor é esquecermos e deitarmos.


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Capítulo 5

O cais de gaia é o seu destino de eleição para essa tarde, quer ter como paisagem o grande Porto.

Sentada na esplanada, saboreia o café calmamente, confortando-a do ambiente frio. Observa o outro lado do rio. As casas coloridas contrastam com as nuvens cinzentas que se formam no céu. O rio ondula de forma calma interrompido apenas pelos barcos rabelos que navegam nas suas águas. Quem poderia dizer que simples barcos como os que estão ancorados, transportassem o famoso vinho do Porto nas grandes pipas desde a Régua até ás margens de Gaia e da Ribeira.

O seu pensamento divagou por um sem fim de pormenores da paisagem, veio simplesmente para não pensar, mas principalmente para se esquecer de muitos outros pormenores que a atormentavam, pormenores que gostava, mas que avivam lembranças e as suas saudades. Tinha que esquecer e ia acabar por conseguir.

Cansada por ter apenas a ausência dele levanta-se e caminha lentamente pelos passeios largos.

Visita uma das caves do vinho onde fica a conhecer toda a sua origem, bem como toda a viagem que faz a nível de escala mundial. Ao entrar, recebe um pequeno folheto, do qual cita algumas referências:

As Origens: A primeira referência escrita de que se tem conhecimento e ligada ao nome "Vinho do Porto", com referência ao Vinho do Douro exportado pela Alfândega do Porto, data dos finais do ano de 1678.

O Alvará Régio: Aos 10 de Setembro de 1756, por Alvará Régio de El-Rei D. José I, sob os auspícios do seu Primeiro-Ministro, Sebastião José de Carvalho e Mello, foi instituída a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro, também denominada Real Companhia Velha. Formada pelos "principais lavradores do Alto-Douro e homens Bons da Cidade do Porto, à Companhia foi confiada a missão de sustentar a cultura das vinhas, conservar a produção delas na sua pureza natural, em benefício da Lavoura, do Comércio e de Saúde Pública".

Vida e Obra: Em 1781, a Real Companhia Velha levou os seus vinhos aos lábios imperiais de Catarina da Rússia, através de grandes carregamentos em navios fretados para o efeito, iniciando assim a navegação Portuguesa para os portos do Báltico e as permutas comerciais com aquele país.Como consequência das acções da Companhia as exportações dos afamados vinhos da Região Douriense experimentaram um considerável e sucessivo aumento. Durante os séculos XVIII e XIX navios carregados com Vinho do Porto da Real Companhia Velha partiram para o brasil onde a Companhia detinha o exclusivo do fornecimento dos vinhos do Alto-Douro. Nos anos de 1851/52, a Companhia possuía entrepostos comerciais para os seus vinhos em quase todos os portos do mundo sob a protecção das missões diplomáticas Portuguesas.

Porto um Clássico: Conhecido pelo nome da cidade de onde é exportado, o Vinho do Porto foi comercialmente descoberto no séc. XVII pelos comerciantes ingleses, que espalharam a sua fama por todo o mundo.Desde então, o Vinho do Porto não parou de ganhar consumidores e novos mercados, verificando-se actualmente um consumo anual de 120 milhões de garrafas a nível mundial. As vendas de Vinhos do Porto estão porém muito concentradas na Europa Ocidental e em países com tradições no consumo de Vinho.

Quando sai, sente umas pingas suaves olha para o céu e sorri. Começa a chover com mais intensidade, obrigando-a a abrir o guarda-chuva. O tempo não a incomoda e segue em direcção à ponte D. Luís. Atravessa-a sem pressa e lembra-se do momento que teve dias antes, a uns metros de altura, numa nostalgia que só acaba no fim da ponte.

Ao passar pela escola Balleteatro Graciete distingue um rosto familiar. O passado volta para o último dia de escola na Soares, para a sua maior desilusão e a sua maior perda. Sabia que tinha que ir para França, tinha que afastar-se de todos, tinha que afastar-se de Valter.

Depois de tudo, depois do que os seus olhos tinham visto das amizades que tinha construído, do amor adolescente, as dúvidas não persistiram mais, tinha que ir para a universidade Francesa. Queria investir na sua carreira e ia dar tudo por tudo para ser a melhor e ao faze-lo ia esquecer o amor que deixava para trás.

A única ligação que tinha com Portugal era Célia. Falavam dos seus cursos, das novas amizades… mas tudo voltava ao ponto crucial aquele que Graciete fugiu. Ao fim de pouco tempo as conversas eram cada vez menos até que acabaram. Ambas queriam dar um tempo à sua amizade parecia doentio, as melhores amigas inseparáveis pararem de falar. Era o melhor não ajudava viver o presente a pensar no passado. Ambas seguiram caminhos diferentes e tinham que arcar com as consequências. Podiam falar, meios não faltavam, mas a saudade tornava-se cada vez mais cruel. Nem sequer houve troca de cartas ou de fotografias. Graciete pensava vir nas férias, mas acabava sempre por trabalhar para comprar material fotográfico. Se tivessem que se encontrar um dia esse dia acabaria por chegar.

Célia conversava com uma senhora de idade à entrada do Balletteatro. As suas feições continuavam as mesmas, mas mais maduras.

O dia do encontro tinha chegado, e Graciete não quer desperdiçar esta oportunidade, o passado está enterrado faz tempo. A mulher vai-se embora e Célia começa a andar em direcção a Graciete.
- Célia?
- Sim?

Célia olha a jovem, não se lembra do seu rosto, “talvez seja uma das novas alunas do ballet”, mas sem saber porquê o olhar da jovem é-lhe familiar e a voz “eu conheço essa voz de algum lado, mas de onde?”
- Não te lembras de mim?
- Eu não… - sim aquela bolinha preta no olho esquerdo ao lado da íris, ela conhecia, ela sabia quem era, este pormenor só pertencia a uma pessoa que conhecia. Célia ergue os seus braços e agarra a sua amiga.

Abraçam-se com uma grande força de vontade e ficam assim alguns minutos. Célia a grande amiga inseparável.

Nenhuma das duas sabe como se dirigir à outra. Riem como duas adolescentes e tornam-se a abraçar. Graciete aproveita o abraço e fica contente até com as suas próprias gargalhadas “há quanto tempo que não se ria assim? Bem não importa, o importante é que reencontrou Célia mais nada importa”.
- Tens a onde ir? -Célia pergunta.

- Na verdade não.
- Queres ir lanchar?

O estômago de Graciete ronca, Célia a olha e ri-se ainda mais.
- Eu aceito -Graciete sorri.

Caminham no inicio sem dizer nada.
- Tu não me conheces-te.
Não era uma pergunta, era uma afirmação e Célia sabia.
- Não, não te conheci. Estás muito diferente, tu ficas diferente com muita facilidade, mas não contava encontrar-te no Porto, faz tanto tempo que não trocamos noticias uma à outra, nem sequer fotografias. Desculpa Graciete, foi muito em cima e estando tu tão diferente…
- Mas depois conheceste-me. -Graciete ri.
- Que tem sido da tua vida, Célia?
- Pois, já passou uns anitos desde que foste para França. Eu como sabes vim aqui para o Balleteatro.
- Seguiste então o Teatro?
- Teatro e dança! E a fotografia?
- A universidade era óptima. Estou a pensar em fazer um livro com um trabalho que penso em realizar.

- Mas em que tipo de fotografia estás a trabalhar?
- Em França trabalhava para uma agência ligada à arquitectura, mas faço um pouco de tudo neste momento estou mais virada para o conceptual.
- Mas viestes passar férias?
- Não. Vim a trabalho. Vou trabalhar para a soares.
- A sério? Que coincidência.
- Coincidência, porquê? Também trabalhas na soares?
- Não! Mas dou aulas de dança contemporânea. Investi muito na dança e agora ensino a outros que gostam do mesmo. Estamos a preparar um espectáculo. Acabei agora o meu horário de expediente. Para a próxima, vens fotografar uma aula das minhas ou um espectáculo!
- É só dizeres!
- Quem diria que um dia ias envergar pelo ramo educativo!
- Parece que sim, com o passar do tempo mudei de ideias em relação ao ensino.
- Dizias sempre que querias um trabalho só para fotografar e não para ensinar! -diz Célia em tom de brincadeira.
- Isso é verdade… mas olha, mudei de ideias. Sabias que a soares mudou de instalações?
- Sim soube através do jornal de notícias, li uma notícia que me chamou à atenção parece que estão em dificuldades económicas. Desde que soube que não passei mais na firmeza! Mais e pelos vistos a escola nova é muito maior tem o dobro das instalações.
- Para minha infelicidade, eu passei. Mas nem te conto como foi…
- Pois, imagino!
- Mas isso das dificuldades económicas… não gostei muito

- Oh Graciete, isto está mal em todo o lado.
- Pois eu sei. Olha, não queres vir dar uma volta? Estava a pensar ir ali à Igreja de S. Francisco e depois logo víamos. Assim continuámos a conversa.
- Ah, vamos lá! Nunca lá fui.

Pelo caminho curto perguntam pela família. A alguns escassos metros entram na Igreja de S. Francisco. Famosa pelo seu revestimento todo em talha barroca dourada é uma representação gótica iniciada pelos Franciscanos. Mesmo ao lado encontrou-se um convento que foi destruído pelos civis no início do século XIX.
- Esta igreja é de ouro! -diz Célia arrebatada com o seu ornamento.

Percorrem várias capelas interessantes, entre elas existe uma que representa uma cena em que verdutos marroquinos se preparam para decapitar um grupo de missionários portugueses.
- Não percebo o porquê de não pudermos fotografar belezas como estas. Em Paris nas grandes catedrais deixam fotografar e aqui é isto! -Graciete está inconformada.
- Minha cara amiga, estás em Portugal, isto é propriedade privada.
Mesmo ao lado visitam o museu da igreja, também este deslumbrante. Nos "calabouços" deste edifício vêem as urnas de alguns falecidos assim como as ossadas.
- Uou!

- Isso faz-me lembrar qualquer coisa. Sorriem as duas.

Já cá fora Célia pergunta a Graciete se já tinha visitado o Palácio da Bolsa. A resposta negativa leva as duas até ao edifico de arquitectura toscana.
- Lembraste dos tempos de escola, da brincadeira que fazíamos quando estudávamos para um teste de história?
- Sim. -responde Graciete.

- Vamos ver se a nossa história está em forma?
- Começas tu, então. -diz Graciete.
- Foi construído em 1842.
- Fachada neoclássica… -Graciete em dúvida.
- Influência na arquitectura industrial pelo pátio conter ferro e vidro. -Célia diz convicta.
- Ouvi dizer que possui salão árabe.
- Eu também, mas nunca vi.
- Vamos ver então!
Ingressaram pelo desconhecido para ambas, o casarão sóbrio abriga um belo salão árabe. Amplo, rodeado por colunas, onde se mistura o neoclassicismo e o gosto ilimitado da geometria do próprio Islão.
As duas estavam radiantes.

De saída, em frente, fica o Mercado Ferreira Borges. A estrutura de ferro em tom ocre não deixa passar despercebida a feira de livros temporária que lá se encontra.
- Vamos ver? -pergunta Graciete entusiasmada.
- Sim, os livros têm desconto pode ser que tenha lá algum que me agrade.
Pelos corredores cheios de mesas com livros Graciete vê alguns, até que pára na secção dos livros de romance e pega no livro "Um amor do Futuro" e fica perdida em pensamento.
- Ora, ora! Apaixonada?
- Talvez! -responde Graciete.
Célia não fica convencida com aquela resposta.
- Acho que ainda tens muito para me contar.
Graciete sorri e continua. Por fim, Graciete leva um livro de fotografia, era mais um para a sua colecção.

Célia mora a um quarteirão de casa de Graciete, pelo caminho ela convida Célia a jantar lá em casa. Assim recordavam os tempos de escola as suas conversas e traquinices.

Chegam a casa de Graciete e juntas preparam o jantar. Quando Célia se prepara para por a mesa repara no bilhete que Gonçalo deixara. Pega no papel vai até à cozinha e num tom de inspecção diz:
- Acho que tens mesmo algo para me contar!
Graciete olha a amiga e sorri. Nunca conseguiu esconder nada de Célia, aliás as duas sempre foram grandes confidentes.

Durante o jantar Graciete conta-lhe toda a aventura que teve com Gonçalo durante os últimos dias intensos. Célia apesar de acha-la uma louca sabia muito bem que Graciete gosta de viver cada minuto intensamente, mas no que toca ao amor só se envolvia com alguém que sentisse algo especial.
- Mas então, tudo acabou?
- Claro que sim! Não acredito em relações à distância.
Elas riem-se.

Depois do jantar, Graciete dá a conhecer alguns dos trabalhos que tinha realizado.
- Já não devias estar a dar aulas?
- Não, porque vim substituir uma professora e a escola ainda está a acertar os últimos papéis, democracias!
- Papéis e democracias é uma coisa que nós, professores já estamos fartos!
- Porquê dizes isso?
- Ah pois! Vieste agora e nem sabes de metade. Os professores neste país estão a atravessar um grande confronto com o Ministério da Educação, por causa do processo de avaliação dos professores.
- Como assim?!
- Não te admires se quando chegares à escola sentires um descontentamento, em todas as escolas anda tudo assim.
Célia explica melhor toda a história, prepara-a para a realidade que terá de enfrentar. Já está na hora de Célia ir para casa, o encontro com Graciete e o resto do dia que passaram juntas tinha sido do melhor. Graciete convida-a para no dia seguinte estarem juntas, mas Célia não pode, talvez pela noite desse lá um saltinho.

Graciete com o reencontro com a amiga não se sente tão só, sabe que pode contar com ela para o que der e vier.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Capítulo 4

- Graciete.
A sua voz perde força ao pronunciar o seu nome, não tem coragem de dizer mais nada, sente-se fraco e vulnerável. Ela vai pensar que só se aproveitou dela nestes dias, mas nem ele sabia que se ia apaixonar só sabia que desde que a conheceu não podia ficar longe dela.

Ela pressente que ele não está bem, o seu nome foi pronunciado de tal forma estranha que sentiu uma corrente eléctrica por todo o seu corpo. Foi um sussurro triste e penoso que não queria sentir, que não queria encarar, mas algo atormenta Gonçalo e tem que saber.

- Sim.-responde e vira-se para encara-lo, agora arrepende-se de olhar para o seu rosto, o seu estômago aperta-se num nó, não consegue controlar os tremores do seu corpo "eu vou perde-lo, eu vou perde-lo não o posso perder, ele é tudo para mim".
Graciete sabia que gostava de Gonçalo, mas agora que sabe que estava prestes a perde-lo, não suporta. Encara-o nos olhos e é engolida num turbilhão de sensações e chora, as lágrimas caem sem as conseguir controlar, não se importa, está a sofrer como ele sofre por a deixar e agora sabe que sentem o mesmo um pelo outro.

- Graciete, porque choras?
- Está tudo bem, só quero que saibas que independentemente do que estiver para acontecer eu nunca te vou esquecer. Fazes parte de mim, parece loucura, a verdade é que estou apaixonada por ti, Gonçalo.

Sente as poderosas mãos de Gonçalo a agarrar os seus braços e é puxada novamente para o seu peito. Ele a beija como se fosse a última vez. Graciete não nega este desejo e deixa que a língua dele toque na sua. O beijo é tão forte, tão intenso, repleto de uma paixão fogosa e doentia misturada com tristeza, mágoa e sobretudo de perda. Mas tudo é abafado pelo movimento das suas bocas. Ambos sentem o mesmo e não querem ficar por um beijo, as suas mentes e os seus corpos necessitam de muito mais, necessitam de despertar a paixão que existe neles.

Saem do barco e brincam como dois adolescentes, o céu fica cinzento, mas nem isso os afecta. Contam piadas, relembram episódios passados, falam das maiores vergonhas que passaram, vão ao “Macdonalds” e brincam com os bonecos que saem no “Happy Meal”, mas sobretudo o riso está sempre presente. Com toda a brincadeira quando vêm as horas, falta pouco para as sete. Graciete convida Gonçalo para jantar em casa. No caminho, passam por um supermercado e Graciete faz umas compras de última hora.

“Mmmhhh morangos e kiwi’s combinados são perfeitos” pensa Graciete. Mais à frente passa por uma prateleira sem prestar muita atenção, mas volta para trás novamente. “Chantilly, perfeito!” sorri com o seu pensamento.

- Isso é para a sobremesa? -ele aponta para a fruta e para o chantilly.
- Não gostas? Desculpa devia ter perguntado, eu…
- Eu adoro essa combinação! -ele sorri.

Em casa de Graciete não existe perguntas, não existe explicações, não existe despedidas, existe apenas o momento que começa a ser desfrutado.
Ao longo do jantar a conversa continua com temas que os fazem rir ainda mais.
- Vamos para a sobremesa?
- Desde o inicio do jantar que estou ansioso pela sobremesa.
- Guloso.
- Tu também.

Fixam o olhar ainda sorrindo e sem mais palavras não adiam o inevitável, aproximam-se e beijam-se. Um calor sobre os dois apodera-se, tocam-se suavemente descobrindo num passeio anatómico os contornos do corpo, conhecem-se lentamente, sem pressas.
Aos beijos deixam a cozinha e dirigem-se para o quarto. Peças de roupa caem pelo chão aumentando a intensidade do momento. O desejo de ser um só, a vontade de não se separarem torna aquele ambiente harmonioso.
Graciete empurra Gonçalo para cima da cama, e mostra-se na sua total pureza. Deitado, ele repara uma vez mais na beleza dela. Ela coloca-se por cima dele, a sensibilidade fica patente, beija-o docemente, passa as mãos fogosamente pelo seu peito e sente a sua forma escultórica, enquanto Gonçalo com as suas mãos suaves sente a sua pele delicada, tal como a seda.
Ele tapa os olhos dela.
- Confias em mim?
- Sim, mas…
- Então não destapes, por favor confia em mim. Volto já.
Minutos depois ouve os passos de Gonçalo, ele senta-se a seu lado, mas não a toca em vez disso ouve um barulho rouco, para depois sentir algo frio e cremoso no seu pescoço a descer pelos seus seios, prolongando-se até ao seu umbigo e termina na parte mais sensível do seu corpo, sente um arrepio. Não tem reacção, só desfruta o momento querendo saber o que vem a seguir.
Graciete não consegue responder a sua boca é preenchida por algo duro e suculento que vai e vem sem ela poder controlar. Sorri, não perde mais tempo, assim que a sua boca é preenchida novamente trinca, trinca com tal intensidade que o sumo do morango escorre pelos cantos da sua boca.
Sente o cheiro da sobremesa espalhada no seu tronco até ao início das pernas. Ela é a sobremesa.
Gonçalo beija-a no pescoço e trinca a sua pele ao mesmo tempo que mastiga a fruta lentamente. A sua língua fica mais agitada enquanto percorre o ponto de prazer de Graciete. Ela quer mais, e ele sabe do prazer que ela está a ter, mas mesmo assim ele continua a massacrá-la.
Graciete não aguenta mais, atinge o seu limite, revira o olhar e entrega-se ao que sente deixando-a fora de si.
Tira a venda, olha-o com satisfação, pega na taça dos morangos e kiwi's, retira uns tantos e esmága-os no peito dele. Tudo se desfaz em sumo, pega na lata do chantilly e de igual modo faz o mesmo processo.
Coloca um morango na sua boca e eleva até à dele. Ele com os seus lábios prende-o na sua ao mesmo tempo que tenta retirar um beijo, trinca-o. Ela devora-o todo o doce que se estende no corpo. Gonçalo percebe que ela vai deixá-lo perplexo. Graciete avança sem limites, sentir o gosto de algo que tanto ansiava de forma diferente fá-la avançar. Suga do membro viril todo o resto de doce que restava.
Incontrolável ele se manifesta, mas deseja mais.
Invertem as posições, o corpo nu de Gonçalo é como uma pena leve pousada sobre ela que aquece e incendeia a chama do seu ser. Ele afugenta-a com beijos, ao longo do seu corpo, contornando os seus seios deslizando até à barriga. No fim, olha-a, sobe todo o seu corpo para cima e beija-a loucamente.
Dá-se as junções dos seus órgãos sexuais que se contemplam num só, cheios de potência amorosa.
O prazer do esforço torna-os alucinados esquecendo o mundo.
A cada balanço de pulsação, Graciete pronuncia um gemido que o deixa soberano.
Agarram-se fortemente no corpo um do outro como imploração de que aquele momento não acabe.
A um ritmo alucinante, gotas de suor escorrem pelos seus corpos, ao mesmo tempo que gotas de chuva batem nas vidraças das janelas, embaciadas pela contemplação.
Fatigados, a paixão aconteceu.

Abraçados, adormecem esquecendo o que a ambos inquieta. Estão entregues ao sono provocado pelos ritmos da paixão. O silêncio reina na quietude da noite.
Graciete acorda, o dia ainda não nasceu, levanta-se e deixa para trás o lençol vazio e quente. Pega numa folha e na grafite pura. Desfila o corpo nu pela casa até chegar à casa de banho, liga a luz e fita-se ao espelho. Entra e fecha a porta. Sozinha com a sua nudez procura desabafar, deitar para fora o que não consegue dizer. Nada é mais puro que uma folha e a grafite. Com gestos grosseiros, rápidos desenha para si o que é seu. A sua intimidade é exposta, o seu sentimento triste é marcado pelos gestos loucos. Tudo deixou de ser segredo, o seu corpo, o seu sentimento, a grafite e a folha de papel. Tudo deixou de ser puro e virgem.
Regressa ao quarto, guarda a folha na mala e deita-se entregando-se ao seu inconsciente, ao sono.

Umas horas mais tarde dá conta que está sozinha, o seu amante já tinha ido embora. Apesar de tudo sorri e relembra um velho ditado “Tudo o que é bom acaba depressa” passou bons momentos com Gonçalo e é isso que vai recordar. Depois de pronta pensa fotografar alguma coisa, encostado à máquina tem um bilhete:
“Até um dia…e quando esse dia chegar almoçámos juntos. Beijo Gonçalo”.
Graciete sorri e sai de casa.

Sobre rodas, saboreia a velocidade do veículo. Relembra os últimos acontecimentos. Manuseia o volante como se sentisse nas suas mãos novamente a pele macia do corpo nu que envolveu com os seus braços. Nunca um momento foi tão intenso como aquele. Aproxima-se da portagem, tem que parar para pagar. Ao tirar a carteira da mala sai junto uma coisa que não lhe pertence. Uma folha branca riscada intensamente, mas tem de continuar não pode ficar ali parado.
Pára na estação de serviço e observa a folha. Um corpo nu bem torneado sobressai dos vigorosos riscos que o formam. Foi feito com agressividade, mas ao mesmo tempo com carinho. Um rosto fita-o com olhar triste, mas um débil sorriso abafa este olhar. Gonçalo sente a tristeza daquele olhar, mas os bons momentos que viveu com aquele sorriso e com aquele corpo será sempre guardado até um dia. Porque amou Graciete como se não houvesse amanhã como diria Renato Russo.Também ele sorri e continua o seu caminho até Castelo Branco.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Capitulo 3

De cocktail na mão Graciete e Gonçalo encontram-se na varanda do bar do hotel, no último andar do edifício, a chuva, essa tinha estagnado.
- Bem… agora já me podes dizer quem és tu?
- Sim. -sorri Gonçalo. - Empresário no ramo da hotelaria.
- És o dono deste hotel?!
- Não, mas tenho parceria com o pessoal daqui.
- Muito me contas…


Gonçalo repara que o olhar de Graciete entristeceu depois de lhe ter dito o que faz, o desviar do olhar sobre a cidade iluminada pela noite espalhou o pensamento dela. Ele toca-lhe no seu rosto:
- Ei, tudo bem?
- Sim. -sorri Graciete. - Vamos jantar.


O jantar baseia-se em pratos requintados acompanhados de champanhe.
- Então esta é que é a famosa comida divina, hein? -sorri.
- Pelos vistos sim! -Gonçalo sorri em tom de brincadeira.
- Sabes o que aprecio nestes pratos de comida? -questiona Graciete.

- Ah, então tu aprecias esta comida divina? Mas diz lá. -
Gonçalo estava a divertir-se com a cara que Graciete estava a fazer, era notório que não era do género de comida que ela estava habituada, mas Gonçalo percebeu que ela tinha uma pose de etiqueta e sabia essencialmente usar os talheres com requinte. As suas mãos manuseavam gentilmente a comida. A sua pele era muito branca e o vestido apesar de branco, ficava-lhe bem, dava-lhe um certo ar angelical.

- É a sua apresentação, a estética como vem os alimentos. Porque de resto isto não alimenta ninguém.


Gonçalo ri-se, despertando-se dos seus pensamentos.
- Sabes que isto é uma forma de…
- De fazer uma pessoa gastar dinheiro e ter de mandar vir outro prato porque com este não enche a barriga.
- Mas tu não vês que as pessoas que vem comer a estes sítios pertencem à classe elite. Normalmente já vêm jantadas de casa, aqui é só para causar aparência.
- E tu, também és assim? -Graciete olhou séria para ele.
- Confesso que já tive que me alimentar antes de ir a um restaurante deste calibre.
- Gente fina é outra coisa! -diz-lhe Graciete de nariz empinado.

- Então é por isso que só gostas da estética?
- Sim, é preciso ter criatividade.
- Concordo, mas nota-se que já frequentaste Restaurantes finos.
- Sim é verdade, viver em França tem destas coisas.
- Viveste em França?
- Sim, a minha família ficou toda lá, eu resolvi regressar, mas passar lá uma temporada foi muito bom, é uma cultura diferente e exala paixão, principalmente Paris!
- Paris ville de l’amour!


O jantar prossegue, olhares tímidos entre os dois se cruzam. Graciete nunca pensou um dia relacionar-se com alguém tão depressa, afinal ainda ontem conheceu o sujeito e hoje está sentada à sua frente.

Depois do jantar Gonçalo convida Graciete a ir até à pista de dança do hotel. Não muito à vontade aceita o convite. Num ambiente mexido, próprio de uma sala de dança, mal entram faz-se ouvir uma balada. Como um cavalheiro Gonçalo convida sua dama para dançar, Graciete receosa aceita. Os dois dançam agarrado um ao outro.
Com o rosto encostado ao ombro de Gonçalo, ela tenta organizar na sua cabeça todos os momentos repentinos que estavam a acontecer até ali. O que sente fá-la acreditar que tudo aquilo não é uma loucura.


A amenidade da música intensifica-se e com ela os gestos de Gonçalo e Graciete. A brandura rítmica move-os delicadamente, ela desvia o seu rosto para Gonçalo, este inclina-se e passa docemente o seu rosto sobre a sua face. A respiração fortemente calma sublinha-se, Graciete fecha os olhos deixa-se levar pela batia da música. Ele desliza seu nariz até ao dela, passa seus lábios próximos dos dela, mas não a beija. Ele pode sentir o forte alento de inspiração de Graciete, mas esta também resiste.


Os dois se afastam num pequeno espaço, olham-se famintamente, Gonçalo com sua mão acarinha a face de Graciete, esta de olhos fechados deixa-se embalar pelo seu gesto. Ela pega na sua mão e entrelaça na sua, volta abraçá-lo e continuam na ondulação da melodia que termina.


Gonçalo está a provocar em si um sentimento angustiante, sabe que a sua estadia pelo Porto está a acabar e não pode, nem quer envolver-se demais com Graciete. Terminada a música Graciete decide ir para casa, já se faz tarde e já não aguenta mais a pressão. Gonçalo faz questão de a levar a casa, desta vez no seu carro, o que deixa Graciete apoquentada. Na viagem apenas as indicações de Graciete para sua casa quebram no silêncio, a atmosfera calorosa que os dois criaram prevalecia num mau estar, onde cada um se dispersa nos seus pensamentos.


Chegam à porta da casa de Graciete, Gonçalo sai do carro e gentilmente abre a porta do lado dela.
- Estás entregue.
Sai do carro e se encosta, não responde, mil palavras lhe passa pela cabeça para responder, mas não consegue.
A pele de Gonçalo fica ainda mais pálida com o luar o seu cabelo negro realça o seu rosto, e os seus olhos são a única cor que dá vida ao momento. Estaria apaixonada? Estaria prestes a estragar o momento se abrisse seus lábios para lhe responder?


- Graciete? -ele a olha com curiosidade e preocupação.
- Estás bem?
- Ah? Sim estou.
- O quê que te preocupa?
Desta vez Graciete o olha com atenção alguma coisa está a preocupar Gonçalo, alguma coisa que lhe está a esconder. “Claro que ele tem segredos para ti sua tonta ele conhece-te á dois dias”.
- Nada, estou apenas cansada.
- Desculpa não era essa a minha intenção.
- Não digas isso, eu estou bem, gostei da tua companhia à muito que não saia acompanha com alguém tão… -pára de falar. “Tão quê o que hei-de eu dizer, bolas porquê que falas sempre sem pensar”
- Tão…? -pergunta Gonçalo a sorrir.
- Tão encantador, é isso encantador.
Ambos se desatam a rir, nenhum querendo ir embora.
- Bem, então adeus! -diz Graciete ao fim de algum tempo.
- Adeus! -responde Gonçalo ao mesmo tempo que se aproxima para se despedir com o tradicional beijo nas faces do rosto. Trocam o primeiro beijo, mas no segundo, num desleixo inevitável beijam-se na boca repentinamente.
- Desculpa! Isto não devia ter acontecido - culpa-se Gonçalo pelo acto.
- Não! Desculpa-me a mim, a culpa também foi minha.

Atrapalhados com a situação ficam sem jeito para dizerem seja o que for.
- Acho melhor ir embora.
- Não! Quer dizer, não nos vamos encontrar amanhã? -pergunta Graciete.
- Sim, talvez. Depois mando-te mensagem.


A noite termina confusa e ambos sentem um reboliço de emoções que precisam de esclarecer.



Acordar com a luz do sol, é das coisas que mais gosta pela manhã. Olha para o telemóvel, com esperança de ter uma mensagem mas apenas se depara com o Homer Simpson esfomeado a comer um donut. Esta imagem por mais cómica que fosse ao acordar não teve esse efeito.


- Seis da manhã! -dá um sorriso forçado afinal ainda faltava um bom bocado para se encontrar com Gonçalo. Mesmo não tendo muito sono torna a enroscar-se nos lençóis.


Acorda lentamente, julga que teve apenas trinta minutos de sono. Novamente, pega no telemóvel e como antes encara o Homer.
- Bom dia Homer! -salta da cama e corre em direcção á sala.
- Não pode ser, é uma da tarde. -confirma a hora no grande relógio da sala que nunca se atrasa.
Atarantada olha para o telemóvel sem nenhum aviso de novas mensagens. Gonçalo não disse nada, a esta hora ele já está levantado, tem a certeza disso, mas porquê que não lhe disse nada ele sabia que ela ia estar à espera das suas palavras, ou será que não?
“Será que lhe aconteceu alguma coisa? Será que ele está bem? Deve estar apenas numa reunião importante que acabou por se prolongar, ele é um homem de negócios está ocupado” -pensa enquanto caminha de um lado para o outro na sala.
-Vou ligar-lhe!
O nome de Gonçalo aparece no visor com um donut ao lado, apesar de estar nervosa acha este pormenor engraçado.
- Não posso ligar-lhe, ele disse que me mandava uma mensagem não sou nenhuma adolescente, controla-te Graciete, és adulta.
Por outro lado fica preocupada, no dia anterior quando se despediram ela fez de propósito para tocar no canto dos lábios de Gonçalo, não aguentava permanecer longe daquela boca carnuda, tinha que lhe tocar nem que fosse de raspão. O resultado foi muito maior do que esperava, tinha acertado bem no centro da boca que tanto desejava. E agora está inquieta, pois tinha notado uma mudança súbita no rosto dele, uma timidez, mas ao mesmo tempo uma tristeza inquietante. Nesse momento, pareceu-lhe que foi apenas um constrangimento, mas agora tinha medo que Gonçalo não tivesse gostado do beijo, que não gostava dela da mesma forma que ela gostava dele. Tal pensamento entristeceu-a.


Tomou um banho, comeu uma refeição rápida e sentou-se no sofá a assistir tv. Enquanto muda de canal sem qualquer interesse pára no “Cartoon” e começa a ver o Scooby-doo. Ri do lado cómico dos desenhos animados e esquece-se por um momento de Gonçalo.
O toque da mensagem quebra o seu riso, sem pensar duas vezes agarra no telemóvel. É de Gonçalo.


Mesmo ao lado da ponte D. Luís, Gonçalo a espera com um sorriso.
- Olá! -diz Graciete.
Gonçalo agarra na mão dela e começa a correr.
- O que estás a fazer? Porquê que estamos a correr?
- Estamos atrasados!
- Estamos atrasados? Para quê?
- Tu já vês. Não pares de correr Graciete.
E não param de correr pela ponte, contornam os turistas, embatem em algumas pessoas que não conseguem desviar-se a tempo, pedindo desculpa sem olhar para trás. Gonçalo corre em direcção a um barco rabelo que está a partir.
- Esperem, esperem, temos os bilhetes.
O homem não retira a prancha de passagem deixando que os jovens ofegantes entrem a bordo.
- Chegou a tempo, mais uns segundos e não entravam.
- Os bilhetes! -responde Gonçalo.
Dirigem-se para a proa do barco.
- Com que então um passeio de barco rabelo!
- Sim, desde que cheguei ao Porto estou cheio de vontade de andar num barco destes, mas não tinha tempo, nem companhia!
- Com que então sem tempo e sem companhia!
- Mas como tenho companhia, só faltava arranjar tempo por isso despachei o trabalho todo da parte da manhã para poder passear de tarde e aproveitar a companhia sem preocupações.
- Por isso que demoras-te tanto para mandar-me uma mensagem.
- Pensas-te que não te ia dizer nada?
Graciete fica vermelha, realmente pensou que ele não lhe diria mais nada depois do que tinha acontecido, mas por outro lado tinha uma réstia de esperança.
- Sim pensei! Eu pensava que tinhas ficado magoado comigo pelo….
- Eu era incapaz de ficar chateado contigo, Graciete. -passa a sua mão pelo rosto de Graciete, ela fecha os olhos pelo toque.
- Então foi por este motivo que me pediste para trazer a máquina.
- Pensei que gostasses de fotografar as margens do Douro pelo menos até à barragem.
- E pensas-te bem, mousieur Gonçalo!
- Mui bien, chérie!


Ambos riem, falar francês não é propriamente uma piada, mas estão felizes porque ambos estão junto da pessoa que mais querem. O passeio é lento e confortável, na ida Graciete fotografa as paisagens e Gonçalo, falam de tudo um pouco menos do trabalho. Na vinda, sentam-se no banco lateral do barco. Graciete coloca os pés em cima do banco e agarra-se ás suas pernas.
- Assim estás desconfortável, chega aqui.
Lentamente, Gonçalo a encosta no seu peito e dá-lhe um beijo sobre os cabelos.
- Estás melhor? -pergunta Gonçalo.
- Agora muito melhor.
Gonçalo abraça-a, dentro de algumas horas iria deixá-la, dentro de algumas horas ia ter que lhe dizer adeus sem saber quando se voltariam a encontrar novamente. Não queria deixá-la, estava apaixonado por ela, não sabia como tal tinha acontecido, nunca foi homem de se apaixonar facilmente e numa curta visita ao Porto a tinha encontrado. Ela estava tão linda, com o cabelo claro solto sobre as suas costas, os seus olhos verdes distraídos na decoração do restaurante, a sua postura fina e descontraída. A máquina fotográfica foi a sua salvação foi assim que ela lhe tinha prestado atenção. Quando ela o encarou, sentiu-se importante não devido ao seu estatuto e ao seu poder económico, mas sentiu-se homem. Ela mexeu com ele no primeiro olhar e soube nesse instante que a queria conhecer, não sabia como, mas tinha que saber o seu nome. Tudo ficou mais fácil depois com a troca de olhares, mas nunca pensou que fosse tocar na sua mão enquanto apanhava o cartão dela e muito menos de olhar para a sua coxa que a saia deixava à vista. Atreveu-se a falar com ela e a sair com ela e a tocar na sua mão. E ontem tinham dado um beijo suave, mas para ele foi muito mais que isso, lembrou-o o quanto ela lhe era importante. Ele sabia que ela era especial e que a queria para ele, mas tinha medo de a magoar e agora ali, o seu frágil corpo junto ao seu peito lembra-o que tudo vai acabar.
“Tudo o que é bom acaba depressa” -pensa.


Gonçalo está apaixonado por Graciete.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Capítulo2

O som estridente do despertador faz com uma mão se eleve no ar. O trrriiimmm frenético cessa quando a mão carrega no botão. Graciete destapa o rosto ensonado e permanece de olhos fechados.
- Como será a soares? Será que continua com o mesmo espírito? Não, duvido! A soares do meu tempo não é mais a mesma o espírito quebrou-se. Tu e a tua mania de falar sozinha logo de manhã Graciete. Porquê que começas o dia logo a pensar? Bem é melhor preparar-me para não chegar atrasada.

Levanta-se, abre a janela e vê o tempo.

Diante da nova Soares dos Reis o seu corpo não consegue sair do sítio em que se encontra. Graciete não sabe o que esta a sentir, se por um lado o dia anterior foi repleto de emoções hoje encontra-se num estado de absoluta decadência. Um edifício grande de cor azul céu ergue-se imponente à sua frente. Como pensou horas antes este novo espaço não irradia, o verdadeiro sentimento artístico. Na entrada, o impacto da interacção dos alunos entre si sumiu. Resta apenas a presença do novo elemento, o porteiro.

Já no edifício, dirige-se à funcionária de recepção:
- Bom dia! -diz Graciete.
- Bom dia!
- Podia-me informar onde é a secretaria?
- É já aqui à minha esquerda nesta porta de vidro.
- Obrigada.
A poucos passos entra na secretaria e segue em direcção ao balcão.
- Bom dia!
- Olá, bom dia! Em que posso ajudar?
- Sim, sou a Graciete Avelar e vim tratar dos últimos documentos referentes ao contracto.
- É a menina que vai substituir a professora de fotografia?
- Supostamente sim! -diz Graciete sorrindo.
- Ah, sim! Foi com a menina que falei ontem, já me recordo. Então é assim, falta assinar o contracto e entregar o horário. Segunda-feira começa já no activo.

Graciete sela o compromisso e recebe em mãos o seu futuro horário. Posto isto, despede-se dos funcionários e sai.
Aproveita o momento e visita a escola por conta própria.

Repara em todo o ambiente. O pó das obras está à vista por todo o lado, os corredores são amplos e longos repletos de múltiplas paredes envidraçadas que deixam à vista o exterior. Num dos muitos corredores desloca-se numa escada desconfortável de degraus longos que dificulta o andar.

Graciete precisa de sentir o gosto tradicional da invicta, decide então almoçar num dos restaurantes mais conceptuais da cidade conhecido como Abadia.

O seu ambiente bem como o bom gosto na decoração exalam requinte, onde algumas das paredes se sobressai os belíssimos azulejos. Todo este esplendor faz com que a jovem rapariga se sinta também ela refinada e a um nível da mais alta sociedade.

Sem olhar a meios na despesa pede o melhor vinho da casa e as entradas. Enquanto saboreia os petiscos olha distraidamente para o espaço, os seus pensamentos estão presos nos últimos acontecimentos desde a sua chegada. No meio deste turbilhão de emoções algo a perturba e sente-se observada.

- Menina deseja mais vinho?
Graciete vira-se e da de caras com o jovem que momentos antes a serviu.
- Sim, por favor. Obrigada pela sua atenção. Já agora gostaria de dar entrada com o prato principal.
- Muito bem, o que deseja?
- O que me sugere? -responde com um sorriso.
- Tripas à moda do Porto são...
- Assim seja. Aceito a sua sugestão! -responde bebendo um pouco de vinho.
- Sim menina. Com licença.

Voltou a sentir a mesma sensação está sem dúvida a ser observada decide então pegar na sua máquina e tirar uma fotografia. Nesse acto distraído foca uma mesa em frente e quem a ocupa e clica, após este acto a jovem não retira a máquina do seu rosto.

Um jovem bem apresentado não se inquieta com a objectiva que Graciete segura e com um à vontade fora do comum sorri.

Graciete sente o olhar azul profundo que o desconhecido lhe dá a conhecer e isso agrada-a. Retira a máquina da frente da cara e retribui o olhar.

Graciete não é rapariga de se deixar intimidar, pelo contrário também ela gosta de provocar, mas desta vez sente-se a corar.
- O seu almoço menina.
- Ah? Ah sim, muito obrigada.
- Bom apetite!
- Será certamente. -responde Graciete com um sorriso para o seu vizinho.

Enquanto saboreia o seu almoço apimenta-o com trocas de olhares sensuais e sorrisos atrevidos num divertimento quase de adolescente.

Mal acaba a refeição Graciete levanta-se para efectuar o pagamento no balcão, com todo o conteúdo que tem dentro da mala ao retirar o cartão de crédito da carteira este acaba por cair. Ao abaixar-se para apanhar o objecto, surge repentinamente uma mão que toca na sua.

- Aqui tem o seu cartão! -diz o jovem com um sorriso não disfarçando o olhar atento da perna bem torneada que a racha da curta saia deixa à vista de todos. Graciete percorre o braço com o olhar e percebe que os olhos azuis, que a observaram ao longo do almoço, se encontram fixos à sua perna.
- Muito obrigado, não precisava incomodar-se! -responde a jovem atrapalhada erguendo-se.
- Não é incómodo nenhum! Bem...de perto a sua beleza é muito mais radiante! -disse, ele num ar de sedução.
- Oh, muito obrigada!
- Posso tratá-la, por tu?
- Ah? -não acredita no à vontade do jovem.
- Reparei que estás só.
- Nunca, estou só.
- Uma máquina fotográfica sem dúvida que é uma óptima companhia para quem está só! -Graciete sorriu, o jogo tinha sido lançado.
- Pelo que parece tens um grande fascínio pela fotografia.
- Sério? O que te leva a pensar nisso?
- Menina, peço desculpa em interromper, mas deseja proceder ao pagamento da conta? -disse o recepcionista interrompendo a conversa
- Sim, claro!
- Aqui tem o recibo, boa tarde!
- Boa tarde!
- Onde é que ia a nossa conversa? -pergunta o desconhecido.
- Conversa? Bem, ias na parte em que dizias que eu tinha um grande fascínio pela fotografia!
- Claro, pelo que pude observar quando pegas na máquina, é como se vivesses para fotografar!
- De certa forma, sou professora de fotografia! -meteu a mão na boca tinha falado de mais, como é que podia dar a conhecer essa informação se nem conhecia aquele rapaz, aqueles olhos, aqueles lábios que se mexiam a cada palavra que pronunciava.
- Está tudo bem? -num gesto de amparo agarra no ombro de Graciete.
- Sim, é que sempre me ensinaram, desde pequenina, a não falar com desconhecidos. -Graciete sorri em tom matreiro.
Ele sorri. Como o seu sorriso é lindo aqueles lábios carnudos deixam à mostra uma dentição perfeita. “Bolas Graciete o que está a dar? Ele é um desconhecido vais-te encantar por um simples sorriso?”
- Oh claro desculpa. Chamo-me Gonçalo! És professora? Sério? Quem me dera ter tido a sorte de ter uma professora tão bonita! Também sou fascinado por fotografia, mas não tenho jeito nenhum.

Graciete sorri, simpatizou com ele, e seguiu o jogo.

- Queres vir dar uma volta? Tenho um percurso em mente pelas ruas do Porto se aceitares a minha companhia aproveitava e ensinava-te algumas técnicas de fotografia. -disse Graciete.
“Não, não aceites, mas porquê que eu quero que aceites este convite? Graciete tu não estás bem ele é um desconhecido.” Os seus pensamentos pararam com a resposta.
- Sim aceito, como poderia recusar? Não tenho nada para fazer esta tarde. Já agora como te chamas?
- Graciete. -sorri, ele tinha aceite o seu convite.

Saíram do Abadia. Graciete sempre foi uma pessoa de fazer rapidamente amizades, a sua aparência também contribui. Pelo caminho pouco se falam ambos pensam como se dirigir ao outro. É nestas interrogações que sem darem conta, chegam à Avenida dos Aliados. De frente para a Câmara Municipal do Porto, Graciete quebra o silêncio.

- Podemos começar por aqui! -diz ela dando a sua máquina a Gonçalo.
- Aqui? Agora? Bem eu não tenho grande jeito para…
- Não importa, eu ajudo! Bem, para começar temos que olhar para o edifício e procurar algo que nos chama a atenção, um pormenor que nos diga alguma coisa, depois desse processo colocamo-nos no sítio que achamos o mais indicado para dar relevância ao que queremos retratar e nada melhor que nos colocar num ponto de vista que ninguém observa esse pormenor. Isso também é a chave para uma boa fotografia e principalmente para chamar a atenção de quem a observa.
- Bem… muito profissional! Mas por vezes isso é extremamente difícil.
- Sem dúvida que o é, mas isso adquire-se com a prática! Muito bem chega de aula teórica e vamos passar para a acção!
- É para já senhora professora! Já agora poderá ajudar-me na primeira fotografia?
- Sim! Vou abrir uma excepção, mas só hoje. -responde a jovem com um sorriso.

Graciete baixa Gonçalo e coloca-se por trás dele para lhe ajeitar a máquina de forma que ele visse o edifício numa perspectiva de contra picado, de baixo para cima. Cola o seu dedo por cima do dele e no ponto certo o dedo superior faz pressão e ambos “clicam”. Um clima diferente forma-se com aquele acto. Gonçalo sente-se encantado com aquele toque, mais que a fotografia, saboreou o dedo fino e comprido sobre o seu, a sua pele é tão suave e tão delicada como o toque que ele sente. Inspira o seu perfume sem demora. Todos estes sentimentos num simples acto de fotografar.

Graciete pega na máquina fotográfica e corre pela Avenida abaixo. O seu acompanhante imita-a. Aproveitando a distância que os separa a jovem fotografa o seu seguidor. Os dois divertem-se, mas quando Graciete chega à Praça da Liberdade pára e observa toda a Avenida. Ao olhar lembra-se do tempo que existia o jardim, onde em pequena acompanhada pelos seus pais levava um saquinho de pão desfeito para alimentar as pombas. Gostava de sentir o bater das asas das aves próximas ao seu corpo. Sem dar por isso Gonçalo tira-lhe a máquina e retrata um rosto pensativo e delicado e contempla também o momento que ela lhe proporciona. O olhar da jovem perde-se nos pormenores da fachada de Art Noveau, as esculturas no frontão do edifício do banco de Portugal e na estátua equestre de bronze de D. Pedro IV. Instintivamente Graciete procura a máquina, mas não a encontra apenas uma voz que a desperta.

- Procuras isto?
- Sim, mas como é que tens a máquina?
- Enquanto pensavas tirei-te a máquina e aproveitei o momento a fotografa-lo e atrevo-me a dizer...
- Sim?
- A observar-te. Fotografar é divertido.
- Percebesse pela forma como te estás a rir, já percebi que fotografar-me é muito divertido. -Graciete faz cara de amuada.
- Oh desculpa, não queria dizer isso. É só que há muito tempo que não me descontraía e correr uma avenida cansa, mas descontrai!

Graciete continua com cara de amuada.

- Sério não tinha intenção de te magoar.
Graciete sorri abertamente.
- Então correr descontrai, hein? -pega na mão de Gonçalo e corre, os semáforos estão verdes e passam por eles a toda a velocidade, as pessoas olham-nos com má vontade, mas eles não se importam só param na estação de S. Bento, uma vez mais a jovem fica fascinada. Enquanto tentam controlar a respiração ofegante, observam uma maravilha de cerca de 20 mil azulejos azuis e brancos com toda uma história de actos portugueses num dinamismo absolutamente fantástico, tal como todo aquele espaço, é fascinante.

Gonçalo fica boquiaberto, e por momentos esquece-se de Graciete. Ela por sua vez olha-o divertida e vê ele a caminhar para trás de boca aberta embatendo contra um pilar.

Graciete ri-se, não consegue conter a gargalhada ao mesmo tempo que vai na direcção de Gonçalo.

- Estás bem? -pergunta divertida.
- Podia estar melhor se não fosse o pilar... fodasse a minha cabeça! Alguém viu?
- Penso que não!
- Teve assim tanta piada para não parares de rir?
- Nem sabes o quanto!
- Nunca vi um espaço como este.
- Tu não és do Porto, pois não?
- Não! Sou de Castelo Branco, vim ao Porto a trabalho.

Graciete começa a rir-se ao olhar para Gonçalo e lembra-se do que sucedeu momentos antes e contagiado também ele se ri.

Já na colina da Sé, ambos observam a catedral, um monumento em estilo romântico marcado principalmente pela sua rosácea.

- Foi nesta igreja que se utilizou pela primeira vez o arcobotante...
- Arcobotante?! -interrompe-a.
- Sim, é um elemento arquitectónico.
Entram e sentem no corpo a gelidez do ambiente. O seu interior é magnifico a nave central possui dois belos órgãos e nas alturas do coro um outro.
Na capela-mor fica o tão estupendo altar de prata. Seguem para os claustros e param.
- O Porto é uma cidade cheia de encanto! -diz Gonçalo.
- Sim e quem cá vive mal a conhece! Que é o meu caso. -responde Graciete.

Uma ilustre escadaria do século XVIII de Nasoni eleva aos pisos superiores, onde os painéis de azulejos salientam a vida da Virgem e as Metamorfoses de Ovídio.

Na saída, ambos se detêm sobre o túmulo gótico do cavaleiro da Ordem de Malta. O dia estava a ser inacreditável, Graciete sempre gostou de estar acompanhada, principalmente com alguém que a fazia sentir-se bem, e pelo que parece até com um desconhecido. Seguem pela escadaria dos Guindais que dá à marginal, pelo caminho observam as fachadas das casas típicas daquela zona, onde as roupas multicoloridas secam ao sol e ganham vida com a ténue brisa que se faz sentir. Graciete despreocupada regista tudo isto. Enquanto enquadra uma perspectiva fotográfica interessante, Gonçalo apercebe-se que ela está muito concentrada e sorrateiramente chega-se para junto dela e prega-lhe um susto, aborrecida por lhe ter distraído, corre atrás dele pelas escadas abaixo. No terminal das escadas, Gonçalo pára e agarra-a, estão frente a frente, a sentir a respiração um do outro, o coração ofegante de ambos bate mais forte não pelo esforço da corrida, mas por algo mais. Uma janela se abre com um barulho ensurdecedor despertando-os do momento.

- Correr faz bem! -Gonçalo quebra o embaraço do seu acto e sorri, e Graciete corresponde “O que se passou aqui? Que sensação.”

Sorriem e continuam a caminhada. Já na ribeira reparam no painel de azulejos de Júlio Resende intitulado por "Ribeira Negra" numa representação de todo o ambiente ribeirinho. A visão que se tem para a ponte D. Luís I é esplêndida, a sua arquitectura de ferro vista de baixo dá a sensação de como as pessoas são pequenas. As Alminhas da ponte em baixo relembram a tragédia que aconteceu na travessia da Ponte das Barcas. Na ribeira destaca-se a Praça da Ribeira, o muro dos Bacalhoeiros, a casa do Infante e principalmente é neste local que se encontra a alma da população invicta. Gonçalo e Graciete vão a um café para lanchar. Sentados na esplanada observam o rio e o cais de Gaia em silêncio.

- Sabes, estou a adorar o dia de hoje. -comenta Graciete.
- Eu também, principalmente da companhia. -diz Gonçalo enquanto olha nos olhos dela e aproxima sua mão da dela. Quanto lhe toca ligeiramente, chega o empregado:
- Aqui está a conta!

Graciete e Gonçalo pagam e partem.

Vão para o elevador dos Guindais, já não têm forças para fazer o mesmo percurso. A subida de elevador é instantânea e a paisagem que se tem é de uma experiência única. No fim da linha, Graciete decide ir ao tabuleiro superior da Ponte D. Luís I, a travessia a pé deixa a qualquer um instável, mas observar o pôr-do-sol no meio da ponte é de uma beleza extraordinária. É um fenómeno natural tão puro que toca na alma das pessoas de uma forma tão suave, tão calma que tudo o que rodeia desaparece. O olhar de ambos perde-se na linha do horizonte onde o céu e o mar dão o mais profundo abraço tornando-se num só. Graciete também ela se sente abraçada não pelo que observa, mas sim pelo encosto de Gonçalo. O ténue calor do sol aquece este momento único.

Graciete abraça este momento e ao olhar para baixo vê as suaves ondas vergadas aos seus pés. Sente a brisa a tocar no seu rosto e a levantar suavemente os seus longos cabelos. Graciete sente-se segura, olha nos olhos azuis de Gonçalo e mergulha nas suas profundezas como se o tempo parasse, sentiu que Gonçalo em pouco tempo já fazia parte da sua vida.

Atravessam a ponte e vão à Praça da Batalha onde à muitos anos atrás deu lugar uma batalha entre sarracenos de Almançor e os habitantes do Porto, saindo estes últimos derrotados, sem nome aparente aquele local foi baptizado como a Praça da Batalha. Neste local é possível encontrar o teatro nacional D. João V, o cinema Batalha e a igreja de Santo Ildefonso. Graciete aproxima-se da entrada da igreja só para observar um pormenor, neste edifício ainda são visíveis as marcas da batalha e sem perder tempo regista fotograficamente as balas incrustadas. Já é praticamente noite e Gonçalo prepara-se para se despedir.

- Já está tarde, preciso de voltar para o hotel tenho um pouco de trabalho ainda em atraso e preciso de o concluir.
- Mas já? Estava a pensar que talvez quisesses jantar fora.
- É um convite tentador, mas eu preciso mesmo ir. Fica para amanhã!

Trocam os números de telemóvel e despedem-se. O dia não podia ter corrido melhor, depois de um dia depressivo como o anterior, o de hoje apaga todas as mágoas.

Já em casa, Graciete sente-se exausta do percurso, senta-se e transfere as fotografias para o computador, fica a vê-las e relembra todos os momentos.

Congelada observa uma fotografia de Gonçalo. Levanta-se, decide relaxar um pouco. Despe-se sem pressa enquanto se dirige para a casa de banho, abre a torneira e tempera a água misturando os sais de banho. A temperatura do espaço torna-se quente devido ao vapor e sem temer o contacto o corpo frio funde-se na quentura do depósito das águas. Graciete deita-se, fecha os olhos e mergulha todo o corpo na água, relaxa e lentamente eleva a cabeça até à superfície. Da sua mente brota o rosto de Gonçalo e é com ele no pensamento que adormece nas águas calmas da sua banheira. Acorda com o som do seu telemóvel, sente-se fria e dá conta que adormeceu, ergue-se e deixa que as gotículas de água escorram no seu corpo. Enrola-se no roupão e segue em direcção ao pequeno aparelho. Nele é possível ler-se: "Amanhã prepara todo o material e vem ter comigo ao museu Soares dos Reis às 14 horas. Aguardo pela tua chegada beijo Gonçalo".

- “Graciete estás a apegar-te um pouco demais ao rapazinho tenho de reconhecer que ele é especial, mas está a correr tudo muito rápido. O seu convite foi lindo, museu soares dos reis aguarda-me.”

Sorri, ficou contente com o convite. Um pouco longe da sua casa, num quarto de hotel Gonçalo encontra-se sentado num estado de profunda tristeza.

Recebeu uma chamada a comunicar-lhe que precisavam dele, assim só tinha mais três dias no Porto. Ao mandar a mensagem a Graciete sente uma tristeza que o absorve. A tarde com Graciete marcou-o. Encosta a sua cabeça no sofá de cabedal e eleva o copo com uísque até à sua boca e sente o líquido a queimar todo o seu interior. Abana o copo e vê as pedras de gelo a balançar tocando-se sempre que o líquido permite. Gonçalo relembra a tarde e quando olha novamente para o copo, o gelo desvanecera-se misturando-se com o álcool para não mais voltar. Uma lágrima descontrolada percorre o seu rosto suave e jovem adormecendo com ela como companheira de leito.



Na porta do Museu Soares dos Reis, Gonçalo enquanto espera, verifica-se de 5 em 5 minutos a sua imagem pelos reflexos da porta. A sua apresentação é muito importante para demonstrar a Graciete. Ela chega deslumbrante como no dia anterior, Gonçalo abraça-a fortemente e dá-lhe um beijo suave e carinhoso no rosto. Sem mais demoras, entram no museu.

Antigo Palácio das Carrancas tornou-se no primeiro museu público. Para ela, aquele espaço é especial lembra-lhe a escola que frequentou que contém o mesmo nome " Soares dos Reis" em homenagem ao escultor, a maior parte da sua obra encontra-se neste edifício, obras como a escultura de mármore de "O Desterrado". Como a sua anatomia é perfeita e bela, o mais simples pormenor está representado na perfeição. Exploram todo o recinto, vêm as artes decorativas como a cerâmica de faiança portuguesa do séc. XVII ao séc. XX, a colecção de joalharia, ourivesaria e mobiliário de carácter religioso e civil, assim como colecções de têxteis e vidros.

Gonçalo nunca foi de apreciar arte, mas a companhia de Graciete despertou nele uma sensibilidade para observar com outros olhos a arte. Graciete tinha razão ao enunciar a frase de Marcel Proust a Gonçalo "Somente através da arte nós conseguimos sair de nós mesmos e conhecer a visão do outro sobre o universo."
Desceram a rua e foram até aos jardins do Palácio de Cristal. Ao entrar, Gonçalo pergunta:

- Qual é o motivo para este sítio se chamar Palácio de Cristal?
- Antigamente não era este pavilhão que estava aqui, existia mesmo um palácio todo em cristal, mas foi destruído. E agora construíram este pavilhão, o Pavilhão Rosa Mota, não se compara com a beleza do anterior, mas o termo Palácio de Cristal ainda prevalece ao ser lembrado pelas pessoas que o pronunciam dando vida a este lugar.
- Mas decidiram destruir o verdadeiro Palácio de Cristal, porquê?
- Coisas da vida. -responde Graciete.

Na entrada Graciete explica a Gonçalo que aquelas estátuas que ali se encontram são referentes às estações do ano assim com as fontes. Passam pela avenida das Tílias, pela Biblioteca Municipal Almeida Garret, a concha acústica e por fim pela capela que foi construída a mando de uma princesa em homenagem ao seu irmão rei Carlos Alberto. Graciete retrata tudo por onde passa ao mesmo tempo que dá a conhecer os locais a Gonçalo. Visitam o museu romântico da Quinta da
Macieirinha, uma casa que pertenceu à família burguesa abastada do rei Carlos Alberto, um local de exílio. Mergulhados no tom esverdeado da verdura caminham calmamente pelo jardim de plantas aromáticas, o jardim das medicinais, o jardim do roseiral e o jardim dos sentimentos. Pelo labiríntico jardim eles perdem-se nas curvas sinuosas e desconhecidas dos sentimentos. Graciete repara no estado de Gonçalo, ele caminha lentamente na sua tristeza, tira-lhe uma fotografia e dirige-se a ele.

- Que se passa? -pergunta preocupada.
Gonçalo fecha os olhos à procura de consolo e responde:
- Nada.

Graciete não fica convencida da resposta, mas não insiste, apenas oferece-lhe um ténue sorriso nos lábios.
Passeiam pela avenida dos Castanheiros e pelo bosque e deslumbram-se com toda a panorâmica que têm sobre a cidade do Porto, Gaia e o rio Douro. Vão a um miradouro e tiram algumas fotografias, juntos. Com o passar do tempo os dois vão conhecendo-se.
Graciete ainda quer levar Gonçalo a um dos monumentos que ela mais adora.

Construído por Nicolau Nasoni e de estilo barroco é decorado com esculturas de santos, cornijas, fogaréus e balaustradas e que em tempos serviu de ponto de orientação para os marinheiros que chegavam ao Porto, a tão conhecida Torre dos Clérigos.

- Preparado? Temos 225 degraus para subir, depois visitámos a igreja. -diz Graciete.
- Não há elevador? Era mais fácil.
- Não é tudo à base de ginástica!

Graciete sabe que ao chegar lá cima Gonçalo vai ficar radiante com a beleza da paisagem. Ao chegar ao topo ele fica maravilhado com a vista desordenada da textura das casas. Os 76 metros de altura não lhe fazem impressão. Lá em cima o vento já é forte e frio. Da igreja destaca-se a nave elíptica e o altar-mor de retábulo de mármore policromo onde repousam os restos mortais do arquitecto.

Á saída umas ténues pingas caem do céu, os dois olham-se:

- E que tal se fossemos procurar sítio para jantar? -pergunta Graciete.
- Pode ser no hotel em que estou instalado, a comida lá é divina, além demais sempre temos música e convívio. -responde Gonçalo.
- Claro, porque não? Mas preciso ir a casa.
- Porquê? Estás óptima!
- Obrigada, mas eu preciso mesmo, mas o que preciso mesmo é de uma boa “ducha”.
- Vendo as coisas por esse lado, eu também preciso do mesmo. Bem a que horas e local, posso ir buscar-te?

Graciete escreveu no seu bloco de notas o endereço e combinaram para uma hora depois. Apanharam cada um o seu táxi e partiram em direcções opostas.

O problema de uma saída para uma mulher é sempre o mesmo, como se vestir. Este momento poderá ser especial daí o medo que Graciete sentia.

“Bem vestido preto, azul -marinho ou branco? Mmmmm vá lá Graciete decide está quase na hora. Ai Célia como me fazes falta nestas alturas, fazes sempre, mas principalmente nestas alturas.” Optou pelo vestido branco liso, pelo joelho com um afinado decote em que as alças descaiam ligeiramente sobre os ombros. Não perdeu tempo para arrumar o seu cabelo, gostava do seu ondulado natural e a maquilhagem ficou-se apenas pelo glossy para realçar os seus lábios carnudos. O seu telemóvel toca, é Gonçalo que já a espera. Graciete olha para as horas no visor e sorri, ele é pontual. Sem perder tempo veste o seu casaco preto, pega na mala e desce.

Encostado a um táxi, ele a espera. “Como ele está lindo”. Sapatos elegantes pretos, calças escuras, camisa preta e “blaiser” preto distinto. Uma imagem mais formal do que a da tarde que num todo fazia sobressair a sua pele branca e os olhos claros. Entram no táxi.

- Vê-se bem que não és de cá? -Graciete ri.
- Nota-se assim tanto?
- Sim!
- Bem, não tinha outra opção vinha com o meu carro, mas não conheço as ruas quem melhor que um taxista para dar uma ajudinha?

Pelo retrovisor o taxista olha para Gonçalo e ri com o comentário.

As suaves pingas tornam-se em chuva agressiva, apressam-se até ao hotel.

Quando chegam de táxi à porta do hotel, Graciete nem queria acreditar.

- Tu estás instalado neste hotel?
- Sim, porquê?

Graciete estava diante de um dos maiores hotéis de luxo da cidade do Porto.Gonçalo confuso não sabe se foi uma boa ideia mostrar quem é. Todas as raparigas que conheceu mostravam o gosto na sua carteira e não na sua personalidade, mas Graciete é diferente e o seu sentimento por ela também o é.