terça-feira, 19 de outubro de 2010

Capítulo 6

Hoje, Graciete quer andar em algo que já não andava há muitos anos. Em pequena adorava passear nele, pois o seu som que deixava sempre em alerta era único.

Foi até à zona do Infante e em pouco tempo começa a ouvir o inconfundível trabalhar do Carro Eléctrico.

Sentiu-se uma criancinha toda contente como se fosse a primeira vez que ia andar.

Entra e senta-se num dos bancos com paisagem para o Rio Douro.

Está encantada, por ali pode ver todo o cais de Gaia.

A sua paragem é em Massarelos, vai visitar o museu do carro eléctrico, coisa que antes nunca tinha feito.


Já depois do almoço Graciete vai até ao Centro Português de Fotografia. Antes de ir para França sempre que tinha oportunidade vinha até aqui ver as exposições ou simplesmente perder-se em livros de fotógrafos na biblioteca.

Inicialmente, este edifício teve como origem a tão conhecida Cadeia da Relação. No exterior, o famoso gradeamento nas janelas marca essa época assim como o brasão imponente de um dos lados.

Hoje, Graciete repara naquele Brasão com outros olhos, era magnífico o seu trabalhado, e regista-o com sua máquina.

O Centro Português de Fotografia conservou alguns dos espaços da antiga cadeia da relação, dando a conhecer ao público a sua história e também o seu funcionamento.

Apesar de Graciete ter visto, dezenas de vezes todo o seu percurso não se cansava de repetir e vai mais uma vez revisitar.

Graciete passa pelas enxovias que tinham nomes de Santos, pelas celas dos homens e das mulheres diferenciadas pelo chão de madeira, a sala do tribunal e a capela onde os presos ouviam a missa das celas. Graciete passa pela cela de um dos seus ídolos, Camilo Castelo Branco.

Pelo que consta, ali escreveu o livro "Memórias do Cárcere" e conheceu o delinquente Zé do Telhado. Nesta cela encontrava-se algumas das câmaras fotográficas da colecção de António Pedro Vicente, uma delas tinha sido utilizada por Tavares da Fonseca.

Existe uma sala com câmaras de 35mm entre elas as máquinas Leicas, outra sala especialmente predominada pela Kodak, mais exemplares de "jumelles" mostrando alguma história da Polaroid. Para além de tudo isto tem a possibilidade de ver algum equipamento de laboratório, alguns flashes e algumas fotografias.

No fim, Graciete vai até à biblioteca revê alguns livros e apura mais o seu conhecimento na fotografia.

O final de tarde já se aproximava, mas Graciete ainda dá um pulo por aquele edifico que hoje está diferente exteriormente.

Sem saber muito bem, se ainda tem a mesma função e se permitiam a sua entrada, entra no Clube Fenianos Portuenses.

O regime de entrada continua na mesma, ao fundo, na parede ainda está o enorme espelho dourado, ao canto a estátua que em tempos lhe metia medo e à sua frente a secretária com o porteiro.

- Olá, boa tarde!

- Boa tarde, olha quem é ela! -disse o porteiro.

- Pois, já algum tempo que por aqui não passava.

- Alguns anos!

- Cheguei alguns dias de França, e hoje aproveitei para vir aqui ver o ambiente!

- Fez muito bem!

- Ainda se lembra do meu nome?

- É claro!

O ritual ainda se mantém, enquanto o porteiro escrevia o nome de Graciete no livro ela espera pelo elevador.

Sobe até ao primeiro piso, abre a porta e vê o tão característico chão de madeira, de riscas claras e escuras, ainda estava, naquele que é o local de passagem, os sofás vermelhos e numa das paredes o espelho gigante. As portas que dão para o Salão Nobre estão aparentemente fechadas, mas Graciete ao ver se estão mesmo, consegue abri-las. Ao abrir é invadida pela felicidade. Está tudo igual, o palco recorda-lhe as grandes festas que passou ali, noites de Ilusionismo, festas de comemorações de dias especiais, noites de fados entre outros que faziam encher todo aquele amplo espaço.

Os famosos candeeiros dourados que imitavam as velas são o mais característico deste salão.

Como fica feliz ao ver aquele Salão.

Fecha a porta e desloca-se pelo corredor principal sob a passadeira vermelha. Passa pela sala de leitura, agora sala de internet, pela sala de tv onde passou algum tempo e pelo café. Este tem um ambiente calmo, óptimo para relaxar ou até mesmo para descontrair no bilhar, num espaço escuro.

O fim do corredor dá para o bar. Ainda se lembra de entrar e existir uma nuvem de fumo de tabaco, agora nem o cheiro existe.

Graciete dirige-se ao balcão para ver se tem o bolo que tanto gostava em criança, infelizmente já não havia.

Continua pelo bar fora e vai dar ao Salão Flamingo de tom rosa, aqui também se realiza algumas festas de menores portes.

No corredor para o Salão, encontra a entrada para a Biblioteca, hoje literalmente fechada. Só lá entrou uma vez, mas sabia muito bem o que lá existe, estantes enormes cheias de livros. Obras completas de Voltaire, José Régio, Fernando Pessoa, Eça Queirós... "A arte e a Natureza em Portugal" de 1902, "Camões e artes plásticas", entre outros.

Graciete muito sorrateiramente sobe até ao 2º piso. Não é um piso muito visitável, mas lá também existe um salão. Neste são realizadas algumas peças de teatro e exposições, hoje quase raras.

Existe mais cantos, mas Graciete conhece um que daria um museu. Hoje não sabe se existe, mas ela já viu as vestes dos grandes Cortejos de Carnaval que paravam a cidade do Porto.

Ao recordar Graciete questiona-se:

Porquê acabaram com esse cortejo?

Desce, as escadas do 1º piso ao rés-do-chão eram algo que tanto tem de fascinante como de perigoso.

Com os anos os degraus ficaram gastos e inclinados, agarra-se ao corrimão e desce a passadeira vermelha. Despede-se do porteiro e vai-se embora com uma melancolia.

Algumas coisas tinham mudado, mas Graciete sente que o verdadeiro espírito festivo e divertido tinha desaparecido.

Sente que aos poucos aquele Clube está a morrer.

Vai para casa e espera a chegada de Célia.

Toda compulsiva e energética Célia chega a casa de Graciete com a pica toda de ir para a noite.

- Anda lá, arranja-te! Vamos dar uma volta!

- Estás tola! Não me apetece sair.

- O quê? Nem penses! Antes íamos sempre e além demais já não saio à muito. Estou a ver que os ares franceses te fizeram mal, carago!

A verdade é que Graciete sentiu saudade desse tempo e com a insistência da amiga não perde a oportunidade.

Vão até a um bar do Porto. Ao som do ritmo de "Whigfield" as duas dançam no centro da pista de dança.

Mas Graciete já não está habituada a estas andanças e um tempo depois as duas param para tomar uma bebida. Enquanto estão ao balcão a tomar o seu copo, dois rapazes bem estruturados aproximam-se delas para meter conversa. As duas não têm quaisquer tipos de problemas, mas Célia já consumada pela poção deixa-se levar e volta à pista de dança onde arrasa com toda a sua expressão corporal.

A conversa de Graciete com o tal rapaz que nem lhe percebeu o nome, por causa dos decibéis a mais, está a ser ao que se chama uma grande seca. Ela não está a acha-lo nada interessante. Observa Célia e o seu estranho parceiro de dança a roçarem-se um no outro, o ambiente quente, o calor que se sentia e a maneira sensual de se tocarem, fez lembrar-lhe aquela noite que teve dias antes.

Graciete começa a achar que vai sair dali sozinha da maneira que as coisas vão... além do mais à sua volta está completamente rodeada de bêbados que caem pelos cantos.

A verdade é que elas saem dali e ainda vão espreitar outros bares, o cenário é sempre o mesmo.

Já de madrugada regressam a casa, a noite de breu com a lua de companheira estava igual a muitas outras noites que passaram juntas. Mas com os anos as coisas tinham mudado.

Pelas ruas vêm sem-abrigos, drogados e pior que tudo assistem a um assalto a uma tabacaria. Estão chocadas, assustadas com toda aquela violência visual e a passo ligeiro chegam a casa de Graciete em silêncio.

- Tu viste bem aquilo?

- Esta é a realidade que sempre existiu, mas agora mais que nunca acentuada. O melhor é esquecermos e deitarmos.


1 comentário:

Jorge Nunes disse...

Olá. O meu nome é Jorge Nunes, sou o autor do livro penumbra que apareceu no caniço da soares em 2010.
peço desculpa de só agora responder mas mais vale agora que nunca...
adorei a tua/vossa histora e estou muito curioso para saber mais.,..gostaria de conhecer a autora ou autoras e se quiserem tambem falar-vos daquilo que ando a escrever...
mandem-me um meail para: jorgenunes89@hotmail.com
ou uma sms para 914415232
aguardo resposta
continuem este fantastico trabalho...tem muito jeito...